Diário do Amapá - 24/04/2020

LUIZ MELO Diretor Superintendente ZIULANAMELO Diretora de Jornalismo Circulação simultânea em Macapá, Belém, Brasília e em todos os municípios do Amapá. Os conceitos emitidos em artigos e colunas são de responsabilidade dos seus autores e nem sempre refletem a opinião deste Jornal. Suas publicações são com o propósito de estimular o debate dos problemas amapaenses e do país. O Diário do Amapá busca levantar e fomentar debates que visem a solução dos problemas amapaenses e brasileiros, e também refletir as diversas tendências do pensamento das sociedades nacional e internacional. ZIULANAMELO Editora Chefe MÁRLIO MELO Diretor Administrativo DIÁRIO DE COMUNICAÇÕES LTDA. C.N.P.J: 02.401.125/0001-59 Administração, Redação e Publicidade Avenida Coriolano Jucá, 456 - Centro CEP 68900-101 Macapá (AP) www.diariodoamapa.com.br mídia ao redor do mundo tem noticiado o aumento de denúncias de violência doméstica emfunção do confinamento por conta da pandemia do coronavirus. No Bra- sil, segundo a OuvidoriaNacional de Direitos Humanos (ONDH), do Ministério da Mulher, da Família e dos DireitosHumanos (MMFDH), houve um aumentomédiode 10% dasdenúncias na segundaquinzena de março, em relação à pri- meira quinzena (http://www.mdh.gov.br/todas- as-noticias/2020-2/marco/coronavirus-sobe-o- numero-de-ligacoes-para-canal-de-denuncia- de-violencia-domestica-na-quarentena). Consi- derando a dificuldade que as vítimas possuem em fazerdenúncias,muitas vezesmotivadaspelo medo e por ameaças do agressor - que não raras vezes éalguém próximo, como marido, namo- rado, pai, padrasto - é possível supor que esses dados sãoprovavelmente subestimados e que há muito mais casos do que sequer imaginamos.A violênciadoméstica é uma grave questão de saú- de pública no Brasil e no mundo e as mulheres são, de longe,as maiores vítimas. Há uma série de fatores que motiva esse aumento emdecorência do confinamento.Apri- meiragrande causa é oconfinamento em si.Veja que fomos quase todos, de relance, obrigados a mudarradicalmente nossos hábitos de vida e, nos vimos, invariavelmente, privados do nosso ir e vir. Issopor si só já eleva os níveis de estresse das pessoas, o que predispõe naturalmente, no caso depessoas obrigadas a conviverem juntas, ao aumentode conflitos. Somam-se a essa situa- ção peculiarosdiversos problemas econômicos e sociais decorrentesdessa grave crise mundial: desemprego,contas atrasadas, o medo do con- tágioe uma gama de insegurançasque só pioram esse caldeirãoborbulhante de problemas e insa- tisfações. Isso não deve servir como mera jus- tificativa para a violência: uma pessoa que já possuía um padrãode compor- tamento agressivo, físico ou verbal, tenderá, provavelmente, a se tornar mais agressivaem função do confi- namento e desse tanto de problemas que têm afetados tantos de nós. Porém,devemos estar atentos a situa- çõesnovas, reaçõesagressivasque dife- rem do comportamentohabitualdaquela pessoa. Por exemplo: um homem, casado, com filhos, que nunca apresentoucompor- tamento agressivo físico ou verbal com seus familiares e se vê, em função da crise atual,desempregado,com contasatrasadas, sen- tindo-se acuado e incapaz de sustentar os seus. Ele passa aficar impaciente, com insônia, preo- cupado e vai evoluindo com impaciência, irri- tabilidadecrescentes que culminam comum ato agressivo. O que se vê, nesses casos, é que homens, mais doque mulheres, têm uma grande dificuldade em pedir ajuda, sobretudo profis- sional, como recorrer aum psicólogo ou obter algumoutro tipode aconselhamento que poderia lhes fazer recuperar a razãoe a buscar saídas mais saudáveis para lidar com os problemas. Na dificuldade ou impossibilidade de buscar ajuda,a pessoa sob estresse fica mais vulnerável aestabelecer uma relação patológica com o uso de álcool. E o que já estava bastante complicado deinício, com certeza piorará ainda mais. Num primeiro momento,aquela cervejinha ouaqueles doisdedinhos de cachaça podem trazer oferecer um certo alívio, um relaxamento. Mas se a cabe- ça estáquente, há um risco de esquentar ainda mais, porque o álcool torna as pessoas mais lábeis e diminuio controle dos impulsos. Muitassituações de violência são desen- cadeadas ou pioradas por pessoassob efeito do álcool. Tenho observado nasredes sociais, desde o inícioda quarentena noBrasil, inúmeras pessoasfazendo uso mais frequente de álcool em suascasas. Nos comércios de produtos alimentícios, quasetodas as compras contém algum tipo de bebida alcoólica. Por um lado, muita gente tem agido naquarentena como se estivesse de férias. Há um lado saudável nisso, se encararmos esse período dequarentena de uma forma mais leve, quando possível.Entretanto, devemos ter cuidado quando ouso de álcool estiver funcionando como um "remédio" para se acalmar, para ajudar a dormir ouparaesquecer, ainda que temporariamente, dos problemas. Essa é a fórmula perfeita para trans- formar oálcool num inimigo, que pode levar a problemas de saúde, piorar o nosso equilíbrio mental,sobretudo o humor e predispor a atitudes violentas, mediante tanta tensão. Devemos tentar, na medida do possível, man- ter uma rotina de vida com alguma disciplina. Seestiver trabalhando em casa, procure evitar o álcool durante o horário de trabalho ou durante asemana.Procure reservar esse consumo para um momentoespecial,ritualize, não banalize. Fiquea- tento se estiver bebendo mais do que bebia antes, porque isso pode ser um alerta para um proble- maque está por vir. Pessoas que já possuem pro- blemas com álcool, quer estejam em tratamento ou não,estão,por conta da situação, emmaior ris- co de recaídas. É importante buscar ajuda pro- fissional oude grupos de apoio, como os Alcoó- licos` Anônimos. á algum tempo comecei a prestar mais atençãoaalgunsassuntosquenem sempre chegam às manchetes dos telejornais. ConflitosemtantasregiõesdaÁfrica,fome,guer- ra na Síria, enfim, realidades tão distantes que parecem quase irreais. Quandoaentãoepidemiadonovocoronavírus começou lá na China, também era assim, uma tragédia com a qual eume compadecia, mas não era ummal que eu temia. Lembro-me do dia em queli anotíciada primeira mortenaItália.Poucas horas depois já era a segunda, terceira, a décima eassim sucessivamente.Atéodiaque abrio jornal paraconferiro boletim e, já fechada em casa,em isolamentosocial,li a notíciade 993pessoasmor- tas num só dia. Por um instante deixei de lado a reportagem, os dados, a tal curva de contágio e me recordei: nãosãonúmeros,sãopessoas!Eodistanciamento que me pedemhoje é apenasfísico.Acapacidade de mecompadecercom asfamílias,comosmédi- cos,comumpaísqueprecisaestaremmovimento e, de alguma forma, chegar onde eunãoposso ir. Hoje,ummeio concreto de ajudar é acreditar que sim, essa pandemia é real. Mesmo que não contamine alguém que eu conheça, mesmo sem saber nome,endereçodealguma dasmilharesde vítimas, mesmo parecendo muitas vezes distante, sim, ela existe. Assim como a fomenaÁfrica,aguerrana Síria,a misé- ria na Venezuela. São verdades, são vidas, são rostos desconhecidos, mas que não podem ser ignorados. Paramuitosdesses problemasnão têmoquefazer,anãoser rezare,quem pode, colabora financeiramente com algum dos muitos projetos sociais que socorrem milhares de pessoas afetadas por tais problemas. Mas para a pandemia temos uma res- posta quase comum: ocuidado, ozelo como todo. Enfrentamos um vírus que não escolhe raça, condição econômica, religião. E não é um problemalocalizado,masglobal.E talvezhá mui- to tempoomundonão era vistoassim, todo inter- ligado. Nãoémaisoproblemade umpaísoudeoutro, deumaregiãodoBrasil ou de outra.Asfronteiras se quebram, e nos convidam a quebrar também dentronósasdistânciasque colocamosentrenos- sarealidadee a dooutro.Proteger-me,me cuidar para não sercontaminadosignifica,nessetempo, cuidar de quem está ao meu lado, ou de quem pega o mesmo ônibus que eu, de quem eu não sei o nome,masque posso, de alguma for- ma, proteger. É um tempo em que somos convi- dados a crescer no senso de bem comum,de umpensamentoglobal,de nos reconhecermos membros de uma mesma família, filhos de um mesmo Pai. Eenquantonoscuidamos,se pos- sível, ficando em casa ou evitando algumas atividades públicas,podemos redescobrir a beleza do tempo, da pre- sença física, dos afetos retribuídos. Em Roma, uma das cidades mais visi- tadaspelos turistasdomundo todo,nãocami- nha praticamente ninguém pelas belas ruas do centro histórico. Há poucos dias precisei ir nos arredores do Vaticano,e um amigoque me acom- panhava me fez prestar atenção em algo que eu já não mais me atentava: o som das fontes da Praça de São Pedro. Porum instantenão tinhaoutrobarulhonaquele lugar, e a fonte parecia ter "voltado a cantar". Que esse silêncio de hoje nos ensine a voltar a escutar as fontes, as crianças que moram ao nosso lado, a respiraçãode nossospaisouavós,abatidadonosso próprio coração, que insiste em nos recordar que estamos vivos e precisamos ter Esperança!

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