Diário do Amapá - 25/04/2020
LUIZ MELO Diretor Superintendente ZIULANAMELO Diretora de Jornalismo Circulação simultânea em Macapá, Belém, Brasília e em todos os municípios do Amapá. Os conceitos emitidos em artigos e colunas são de responsabilidade dos seus autores e nem sempre refletem a opinião deste Jornal. Suas publicações são com o propósito de estimular o debate dos problemas amapaenses e do país. O Diário do Amapá busca levantar e fomentar debates que visem a solução dos problemas amapaenses e brasileiros, e também refletir as diversas tendências do pensamento das sociedades nacional e internacional. ZIULANAMELO Editora Chefe MÁRLIO MELO Diretor Administrativo DIÁRIO DE COMUNICAÇÕES LTDA. C.N.P.J: 02.401.125/0001-59 Administração, Redação e Publicidade Avenida Coriolano Jucá, 456 - Centro CEP 68900-101 Macapá (AP) www.diariodoamapa.com.br m ummomento particularmente difí- cil, alguns anos atrás, depois de che- gar, sem amigos e solitária, do Reino Unido para viver nos EUA, decidi baixar um “aplicativo de felicidade” no meu celu- lar – mas, por incrível que pareça, foi difícil escolher um. Havia quase mil opções pro- metendo satisfação eterna na loja virtual: os que ensinam a meditar ou a ser grato, os que enviam montagens de fotos de por do sol e cachorrinhos ou de poses para lá de lisonjeiras do parceiro (dando-lhe um momento para ignorar temporariamente o fato de seu parceiro de verdade ser bem menos atraente). O que eu acabei escolhendo me man- dava uma mensagem, mais ou menos de hora em hora, com uma afirmação positiva que eu supostamente deveria repetir para mim mesma, inúmeras vezes, como “Eu sou bonita”, ou “Eu me basto”. O problema era que, toda vez que meu telefone tocava me alertando da chegada da mensagem, eu dava um pulo pavloviano de animação, pensando que uma pessoa de verdade esta- va tentando entrar em contato comigo. “Eu me basto”, rosnava, amarga, ao perceber a verdade, incapaz de me livrar do sentimen- to de que, sem amigos, nem comunidade, eu não me bastava. “A felicidade vem de dentro”, diria a foto de cartão postal inspiradora no meu perfil do Facebook, alguns dias depois, a fonte branca de meme destacada contra a imagem de uma mulher contorcida em uma posição de ioga tão tortuosa que parecia que estava investigando seu íntimo – literalmente –, na tentativa de encontrar a alegria dentro de si. Depois de ter passado os últi- mos anos fazendo pesquisa e escrevendo um livro sobre feli- cidade e ansiedade nos EUA, notei que esse tipo específico de conselho – que coloca a busca pela satisfação como uma missão interna, pessoal, totalmente isolada das outras pessoas – vem se tornan- do cada vez mais comum. Algumas variações incluem: “A felicidade é determinada não pelo que acontece à sua volta, mas dentro de você”, “A felicidade não deve depender dos outros” e “A feli- cidade é um trabalho interno”, otimista e popular nas redes sociais. Um e-mail que recebi de uma mala direta de autoajuda reforçou ainda mais a ideia com a criação da palavra para lá de exagerada “na direção interior” (quando bati o olho no título na caixa de entrada, por um momento achei que fosse anúncio de um restaurante que trabalhasse só com miúdos). Em uma cultura individualista movida pela autoatualização, a ideia de que a feli- cidade deve ser trabalhada de dentro para fora, e não ao contrário, aos poucos vai adquirindo o status de clichê. É a felicidade descrita como jornada de autodescoberta, e não consequência natural do engajamento com o mundo; uma felicidade que enfatiza a independência emocional em vez da interdependência, que se baseia na ideia de que a satisfação significativa só pode ser encontrada através da exploração total da individualida- de, com um mergulho profundo na porção mais íntima de nossa alma e nas complexidades e gati- lhos de nossa própria personali- dade. Primeiro passo: descubra- se. Segundo passo: seja você mesmo. A filosofia isolacionista não está se revelando apenas na forma com que muitos norte-americanos falam sobre a felicidade, mas na manei- ra como passam seu tempo. O pessoal que estuda essas coisas notou um aumento sig- nificativo nas “buscas pela felicidade” soli- tárias, ou seja, atividades realizadas na mais completa solidão ou por um grupo sem inte- ração, com o objetivo explícito de manter o sujeito preso na experiência emocional particular. Aprática espiritual e religiosa está lenta- mente mudando de iniciativa comunitária para individual, com retiros de meditação silenciosa, aplicativos de atenção plena e aulas de ioga substituindo atividades sociais paroquiais e a adoração coletiva. Aindústria da autoajuda – com seu princípio básico de que a busca pela felicidade deve ser uma empreitada individual, voltada para dentro – está bombando, com os norte-americanos gastando mais de US$ 1 bilhão por ano em livros que os ajudem no direcionamento de suas buscas internas. Enquanto isso, o “auto- cuidado” se tornou a nova saída do armário. a nova realidade brasileira, com menos empregos, mais pobreza e perspectiva tímida de geração de riqueza, a regra básica das famílias foi cor- tar gastos. Tarefa difícil, quando muito já se cortou nos meses anteriores. A orientação é reduzir o custo de vida, diferente de economizar. Economizar remete à ideia de diminuir desperdícios, cortar pequenos luxos e rever gastos cor- riqueiros. Já na redução do custo de vida, recomenda-se rever os padrões de moradia, transporte e vestuário, assim como o grau de sofisticação de nossas escolhas. Deve-se avaliar mudar de bairro ou de cidade, ou trocar o carro pelo transporte público. No início, isso pode se traduzir em sofrimento. Porém, quando mudanças dessa natureza decorrem de escolhas cui- dadosas, a transformação financeira pode ser libertadora. Ao reconhecer que excedemos em esco- lhas passadas, temos a oportunidade de questionar nosso consumismo e adotar um estilo de vida mais enxuto e eficiente. Isso envolve vender eletrônicos pouco usados, decorar a casa com menos modismos e mais simpli- cidade, adotar um guarda-roupas mais criativo que lotado. Aesse estilo de vida economi- camente mais enxuto e eficiente, no qual compramos apenas o que precisamos, sem cometer excessos impulsivos, chamamos minimalista. Talvez você já tenha ouvido falar disso nos últimos anos e o tenha associado a uma ideia de cultura hippie ou de desapego excessivo. Porém, o conceito atual de mini- malismo se associa muito mais a escolhas sustentáveis do que a deixar de escolher. Uma família com postura minimalista talvez tenha uma decoração do lar mais rústica e básica. Talvez dependa dos vizi- nhos e se disponha a compartilhar eletro- domésticos que uma família só use rara- mente, como batedeira ou microprocessa- dor. Talvez tenha de organizar melhor o dia para confiar no transporte público, nos aplicativos e em caronas. Talvez tenha uma horta em casa, que oferecerá produtos frescos para usar nas refeições e também uma chance de todos na família aprenderem a cultivar vegetais. Essa mesma postura permite à família destinar mais dinheiro para educação e experiências como via- gens, lazer e atividades culturais. O minimalismo está longe de ser uma cultura espartana de empobreci- mento das escolhas. Pelo contrário, per- mite experimentar mais o mundo, aumenta o convívio com amigos e vizinhos, permite adotar um consumo de maior qualidade. Quem compra menos dá preferência à qua- lidade e à durabilidade. Minimalistas não compram produtos piratas, porque quem dá dinheiro à pirataria descarta mais e compra mais vezes, resultando em maior gasto. Em um cenário de escassez de renda e de recursos, o que parece ser o remédio é, na verdade, uma vacina para a sociedade inteira. Vale pensar mais a respeito.
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