Diário do Amapá - 14/02/2020

/ / / / Umacançãoantiga invade todosessesmurmúriose toma lugar nesta orquestra desafinada conduzindo o pensamento para lembranças remotas do passado. Afino o ouvido, procurando distinguir outros sons que não fossem aquelesque já não tivesse ouvido. Quase tomo susto. Era o sinal do portão eletrônico avi- sando que o vigia havia chegado. Volteiconcentrar-me. Ovento sopravanasfolhasdo tape- rebazeiro sexagenário, tinha impressão que delas se tiravam um acorde musical contínuo, mas harmonioso, que descui- dadamente tentei imitá-lo. Sorvo parcimoniosamente o licor hidromelizado e acre- doce do cálice da solidão. Parece que adormeci. A paisagem se entristece; o horizonte fica cinzéreo, de uma cinza plúm- bea, quase negra. Asombradanoitesevai.Devorandooscontornosdascoi- sas lentamente como linhas de uma miragem que se esfuma na minha mente; é hora da noite, no seu escurecer tristonho. Ouço o cantar melancólico da cigarra. O ambiente calmo na real magnificência de sua placidez hipnotizante tranquiliza a minh’alma tal qual um lago sereno e tranquilo cujo espelho d’água aquieta. Saí andando. U’a mão de personagem invisível tomou a minha. Senti a maciez aveludada dos seus dedos segurando os meus. Procurei um jardim para colher uma flor e presen- tear alguém. Encontrei um jardim abandonado de rua eachei floresmacilentase inodoras. Quedecepção!Não tinhamper- fume!Pareciamenfermas,nãodestilavamnenhumnéctar. As abelhas, comsuasasasdeourofosco,nãocortejavamemseus voos sedentos as corolas dessas flores já quase moribundas. Desisti. Procurei na imaginaçãoo que poderiaofertar-lhe. Pensei numa tocantecanção; ounomais idílico poema juvenil. Can- taroleiosmaisbelosacordesdeumacanção:“OMomentono Tempo”, não via seu rosto. Mas, gotas mornas de lágrimas molharamminhas mãos. Da mesma forma; misteriosa e repentina como surgiu, assim desapareceu a personagem desconhecida. Agora, só, a brisa fresca fazia carinho na minha face ao soprar intermitentemente enquanto caminhava. Deum lugarqualquer,umperfume jogadosemmão, inva- diu o ambiente. O inebriante aromaamadeirado, fazcomple- tar o êxtase do incitamento dos sentidos. No quadro vivido descrito, o ver, o ouvir, o degustar, o sentir e o olfato foram estimulados. As cinco maravilhas da vida estavam presentes. As cinco musas inspiradoras dos poetas, tocavam à sen- sibilidadeeà imaginaçãodopacatoescribaemeimpulsionava a escrever. Não falta inspiração quando assim se é tocado. Parece que despertei. A madrugada tinha chegado. ão sei se estava dormindo ou acordado. Se parecia um sonho ou uma realidade. Só sei que os sentidos eram instigados pela impressão dos estímulos que sensibili- zam a vida real. A janelaentreabertadeixavaverocéu,qualmantonegropon- tilhado demiríadesdeestrelasqueseespargiamnanegrae infi- nita abóbada celeste. A Rainha da Noite, prateada, tal qual um nenúfar solitárioperdidonooceanonegro danoite,dava impres- são de ser invejada em sua majestade pelo grande lampadário estrelar circundante. Pensei no mistério do Universo impenetrável. Na distância descomunal medida em ano-luz e absorto, a vista se perdia na estrela mais distante que cintilava no espaço sideral. A sombra da noite parecia eterna, ampliava-se em suas dimensões, apagando em sua alarmante assimetria, toda a fixi- dez de linhas e todo contorno de fronteiras; flutuava tal qual miragemdenévoa. Porqualquer ladoqueofitava, limitavacom o infinito e com ele se fundia; entrava na eternidade. A vida de um pensador está toda nos jardins frondosos do seu pensamento, tanto mais belos quanto mais remotos. Tentei ouvir. Não existe silêncio absoluto. O cricrilar rit- madodogriloquebravaosilêncio.Acriançachoramingavaaler- tandoà mãe ahoradamamada. O cãoalertando seu dono, ladra na calada da noite, talvez incomodado pela zoada estranha ou por vozes que não lhe eram familiar. O empresário Li Ping,que demonstrou interesse em investir no estado, nem esperou por um cenário mais favorável por aqui e já aportou no vizinho estado do Pará, comoutro projeto de manganês. Especialistas do setor dizem que não desistiu do Amapá também. Arquivo