Diário do Amapá - 18/02/2020
LUIZ MELO Diretor Superintendente ZIULANA MELO Diretora de Jornalismo Circulação simultânea em Macapá, Belém, Brasília e em todos os municípios do Amapá. Os conceitos emitidos em artigos e colunas são de responsabilidade dos seus autores e nem sempre refletem a opinião deste Jornal. Suas publicações são com o propósito de estimular o debate dos problemas amapaenses e do país. O Diário do Amapá busca levantar e fomentar debates que visem a solução dos problemas amapaenses e brasileiros, e também refletir as diversas tendências do pensamento das sociedades nacional e internacional. ZIULANA MELO Editora Chefe MÁRLIO MELO Diretor Administrativo DIÁRIO DE COMUNICAÇÕES LTDA. C.N.P.J: 02.401.125/0001-59 Administração, Redação e Publicidade Avenida Coriolano Jucá, 456 - Centro CEP 68900-101 Macapá (AP) www.diariodoamapa.com.br / / conceito de geração, criação bem suce- dida do marketing americano desde os chamados baby boomers, ganhou “cre- dencial” científica. A pesquisadora americana Jean Twenge, em seu último livro “iGen, Why Today’s Super-Connected Kids Are Growing UpLess Rebellious, More Tolerant,Less Happy –and Completely Unprepared for Adulthood” (Geração i, por que os jovens de hoje, superco- nectados, estão crescendomenosrebeldes, mais tolerantes, menos felizes – e completamente despreparados para idade adulta), lançado pela Atria Books, constrói, a partir de um arsenal de pesquisas, um perfil dos jovens nascidos entre 1995 e 2012. O universo é o americano, mas, podemos aplicá-la com razoável segurança aos jovens brasileiros das classes A e B. Vale esclarecer que “i” (internet) aqui se refere ao “i” do iPhone, logo, a autora está dizendo que esses jovens vivem com um iPhone nas mãos. E também “i” para “individualismo”, traço marcante da iGen. Trabalho com jovens entre 18 e 20 há 22 anos. E posso perceber enormes semelhanças entre o que ela descreve e o que vejo no dia a dia, não só em sala de aula mas também graças ao contato alargado com jovens via mídias sociais. Muitas dessas características são quase universais, devidoà ampla rede de comunicação e distribuição de bens criada pelas mesmas mídias sociais. Escolas e famílias, muitas vezes, são parte do problema,e nãoda solução.Ambasse atolam em modas de comportamento e iludem a si mesmas e aos jovens por conta, seja do marketing dasescolas, seja das pro- jeções vaidosas dos pais sobre seus filhos. O marketing das escolas é desenhado a partir dessas mesmas projeções vaidosas dos pais em rela- ção aos seus filhos, ou seja, clientes das escolas. Algumas dessas projeções são: os jovens de hoje sãomais evoluídos afe- tivamente, são mais preocupados com temas sociais, mais tolerantes com o dife- rente, maisseguroscom relaçãoao queque- rem, menos submetidos à moral “imposta” pela sociedade, mais sensíveis à desigualdade social, mais conscientes de uma alimentação equilibrada e, no caso das meninas, mais autô- nomas, independentes e donas do seu corpo. Algumas dessas projeções não são, neces- sariamente, falsas. O discurso datolerância entre os jovens aumentou de fato, principalmente no tema gay/lésbica/transgênero (associadoà ques- tão “cada um é cada um”). A preocupação com a desigualdade social também aparece, mas, principalmente, limitado ao campo das mídias sociais ou intercâmbioscarospra cuidar decrian- ças sírias na Alemanha, claro, aprendendo ale- mão juntoe conhecendo jovensdo mundo intei- ro. A realidade e o clichê não se recobrem total- mente. Segundo a pesquisa de Twenge,nunca houve jovens tão infelizes na face da Terra. Consumi- dores de ansiolíticos em larga escala, a iGen busca “safe spaces”nas instituições de ensino a fim de não sofrerem com “frases” que causemdesconfortoemo- cional. Se são cuidadosos com os ris- cos físicos, esse mesmo cuidado no âmbito emocional indica a quase total incapacidade de lidar com a realida- de. Percebe-se facilmente que os jovens, “cozidos” no discurso psi da “vulnerabilidade”, vão se tornando mais medrosos. Inseguros, morrem de medo de qualquer ideia que coloque em xeque seus “direitos à felicidade”. O mundo não ajuda. Ainda mais com essa gente que mente por aí dizendo que o capi- talismo está ficando consciente ou espiritual. Eles sabem muito bem que o mundo deles será pior: mais incerto, mais violento, mais compe- titivo. A agonia com o futuro é crescente. Se esses jovens desconfiam do mundo, têm razão em fazê-lo. Muitos pais e professores optaram por um discurso infantil, muitas vezes querendo “aprender” com os mais jovens – quando deviam apenas pedir ajuda com o iPhone. Fazem menos sexo, ao contrário do que o blá-blá-blá da liberação sexual diz até hoje. Têm medo de contato físico e veem em tudo a ameaça de assédio sexual. A simples demons- tração de desejo é assédio. Pensar em ter filhos, jamais! Filhos, como eles, custam caro, duram muito e nunca querem virar adultos. Melhor cachorros e gatos. uem já engravidou em situação contro- versa,como quandose passa por apertos financeiros graves, por momentos de crise conjugal, por sexo “casual”, sabe quão desesperadora pode ser a notícia de uma nova vida a caminho. Algumas mulheres podem se encontrar em situaçãoainda maisdesesperadora, como quando a gravidez é fruto de uma violên- cia ou se trata da gestação de um bebê com sérias deficiências, que resultará na morte certa após o parto. Todas essas mulheres, em maior ou menor proporção, se veem numa situação caótica, desejam ardentemente alívio para suas angústias e recuperação do equilíbrio em suas vidas. Dor, insegurança, incerteza, medo e tantos outros sentimentos envolvidos numa situação de gravidez nãoesperada rasgam o coração des- sa mulher; e é exatamente nessascircunstâncias emocionais tão intensas que a mulher ponderará a respeito de escolhas que impactarão toda a sua vida. Para algumas mulheres o aborto é impensá- vel, independentemente da situação. Mas, para outras, o aborto surge como uma possível solu- ção; e aqui não se trata de legalidade ou não, bastando que consideremos os países em que o aborto é liberado. Mas o que motiva uma mulher a desejar interromper a gestação? Frequentemente, é a necessidade de se ver livre da sensação de des- controle na sua vida. Sensação, algumas vezes, acrescida de coerção familiar, principalmente no caso de gravidez na adolescência. O aborto, contudo, não “desengravida” ninguém. O instinto materno é poderoso (mesmo que algumas mulheres acre- ditem não tê-lo). Ter um filho não nascido sempre produzirá marcas emocionais profundas na mulher,mas quando se tem um filho não nascido por consequência de uma interrupção voluntária da gravidez (aborto induzido) – experiência violenta e indigna, já que nin- guém aborta acreditando que será uma expe- riência agradável –, essas marcas não só serão profundas, como repercutirão por toda a vida, de forma negativa e muitasvezesautodestrutiva. Conforme o psiquiatra e psicólogo Alfredo Simonetti, “a racionalidade dos motivos não anula a força da tristeza e, principalmente, da culpa”. Num primeiro momento, pode ser que a sensação corresponda a um profundo alívio, mas ninguém passa incólume por uma violên- cia. O aborto provocado é considerado por alguns como um “não evento”. Mas ele produz luto – um luto real, provocado exatamente pela negação da ocorrência de uma morte real, que é desconsiderada. Repito: esta reflexão não trata da questão do aborto ser liberado ou não em nosso país ou no fim do mundo. A escravidão de negros também já foi permitida em outras épocas. Este texto é sobre mulheres reais, sofrimentos reais, vidas reais – a vida da mulher e do bebê. As mulheres pedem apoio e não aborto. As mulheres pedem empatia e compaixão, e não aborto. É muito fácil gritar“meucorpo,minhasregras”quando a decisão de interromper a gestação não é sua, as angústias não são suas e as conse- quênciasnãosãosuas.Émuitofácil esquecer, quandonão setrata donosso corpo,que opadrão dos sofrimentos tardios pós-aborto é uma infor- mação menosprezada e negligenciada. De minha parte, recuso-me a acreditar que, diante de todoo desenvolvimento científico atual, a opção para a angústia dasmulheresseja a morte. Recuso-me a acreditar que uma vida é superior a outra. Não há final feliz no aborto. Mas pode haver um final respeitoso como a adoção e, sim, tam- bém feliz, quando se é amparada para receber o filho nos braços e recomeçar com esperança uma nova história. E o que eu e você estamosdispostosa oferecer a essas mulheres? Esperança oumorte? Na morte não há solução – mas a vida está repleta de pos- sibilidades. Pelas mulheres, pela vida.
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