Diário do Amapá - 21/02/2020

LUIZ MELO Diretor Superintendente ZIULANA MELO Diretora de Jornalismo Circulação simultânea em Macapá, Belém, Brasília e em todos os municípios do Amapá. Os conceitos emitidos em artigos e colunas são de responsabilidade dos seus autores e nem sempre refletem a opinião deste Jornal. Suas publicações são com o propósito de estimular o debate dos problemas amapaenses e do país. O Diário do Amapá busca levantar e fomentar debates que visem a solução dos problemas amapaenses e brasileiros, e também refletir as diversas tendências do pensamento das sociedades nacional e internacional. ZIULANA MELO Editora Chefe MÁRLIO MELO Diretor Administrativo DIÁRIO DE COMUNICAÇÕES LTDA. C.N.P.J: 02.401.125/0001-59 Administração, Redação e Publicidade Avenida Coriolano Jucá, 456 - Centro CEP 68900-101 Macapá (AP) www.diariodoamapa.com.br / / orque aspessoas tentamdeformatãodeses- peradanegarodesamparoemquenós,seres humanos, existimos? Esse desamparo é, antes de tudo, cósmico: o universo é indiferente a nós. Ao contrário dos que creem na infantil ideia de que o“universo conspira anosso favor”, ouniverso está,na verdade,poucose lixando pra nós, ele é cego. É fácil identificar a causa desse horror ao desamparo, não? O desamparo é insuportável. Seja em que nível for, ele é insuportável. Esse caráter insuportável, seguramente, impõe-se ao nossopensamento eàsnossassensações.O resul- tado é que acabamos por crer em seres imaginá- rios que nos auxiliam na fuga dessa sensação esmagadoradedesamparo.Masvamosporpartes. O tema pede fôlego e reverência. Eurípedes, trágicogrego que viveu no século 5.º a.C., pergunta-se na peça Hécuba (esposa de Príamo, rei de Troia) se os deuses para os quais rezamos de fato existem ou se a realidade não seria apenas fruto da contingência cega. Eucreiona segundaopção.O que não implica – como bem nos diz o filósofo John Kekes (nas- cido em Budapeste, em 1936, e hoje residente nosEUA),em seumaravilhosoTheHumanCon- dition (“ACondição Humana”),de 2010– ofim domundo.Comonão?Porque somos inteligentes e morais,podemos,ainda que de modo precário, cuidar da vida em meio à contingência. Assim como Eurípedes, Freud (1856-1939) meditava sobre essa questão. No seu Futuro de uma Ilusão,de1927,Freudrefletesobre odesam- paro como fonte primária da busca religiosa e espiritual.“Ilusão” aqui, comoentende a fortuna crítica, é a religião. Mas,creio,podemosampliaressa ilu- são para qualquer forma de negação de desamparo.E aí abandonamosa ilusão de que, resolvida a crença religiosa, teremos resolvido o peso psíquico, moral,social epolíticododesamparo. E, como consequência, poderíamos refletir um pouco melhor sobre o pre- sente dessa “ilusão” e o horror do desamparo hoje. O que você crê ou faz para lidar ou negar o desamparo? ParaFreud,ailusãoreligiosa sesustenta numaespécie deprocessopsíquicoregressivo em direção à experiência primitiva com os pais comodefensoresdelacontra umarealidade hostil (cheia de “contingências”). Esses pais seriam o elemento intermediador entre essa contingência cega que a criança começa a perceber como rea- lidade do mundo à sua volta e ela mesma. O que é essa contingência cega? “Contingência”(estána moda apalavraingle- sa “randomness”) é onomeque damospara tudo o que parece estar fora de nosso controle ou de qualquer padrão aparente de organização. Pode ser bom ou ruim. De forma comum, quando é bom, dizemos que é uma bênção ou uma graça. Quando é ruim, dizemos que é azar. Na experiência infantil, os pais, quando fun- cionais,protegem a criançadosefeitosdessacon- tingência cega, sendo elesmesmo,às vezes, ins- trumentosdamesmacontingência,porissoarela- ção com eles é sempre ambivalente. A criança,por suavez,“barganha”com acon- tingência por meio dessas figuras mediadoras com o mundo à sua volta. Ao longo da infância, essa “barganha” será razoavel- mente bem-sucedida na maioria dos casos.Essabarganha pormeiodospais humaniza arelaçãocom acontingência de alguma forma. A religião seria, pois, um retorno aessa posição infantildehumanização da relação com a contingência, bem- sucedida com os pais na infância. Por meio dos deuses, de Deus, dos orixás,danatureza,dosagradofeminino, do universo que conspira a nosso favor ou de uma consciência cósmica, as pessoas enfrentariam a contingência “acompanhadas”. Ou,melhor,quea contingêncianãoé propriamente cega,masque existeum sentidomaiore organizado por trás da aparentemente precária situação em quenosencontramos.Equeesse sentidomaior ou organização nos permite repousar neles. Percebemos,assim,queuma dasfunçõesmaio- res da busca de negação do caráter cego da con- tingência é encontrar repouso. Quando humani- zamos a relação com a contingência, ou humani- zamos ela mesma imaginando um “todo divino” do qual fazemos parte, repousamos. E, aí, vence- ríamos o desamparo. Respostas como a de Kekes parecem negar esserepousoporqueafirmamquenadatemoscomo anteparo à contingência cega e ao desamparo, a não ser nossa capacidade humana de lidar com a realidade, mesmo que de forma precária. Freud concorda com Kekes: não há repouso. Freud e Kekes investem no amadurecimento. Recurso escasso hoje em dia. psicólogo e cientista canadense Steven Pinker defende que a sociedade deve se preocupar com a pobreza e não com a desigualdade. O que importa é quanto das pes- soas na camada de baixo estão bem, e não quan- tas vezes melhor estão as de cima. A não ser que se parta do pressuposto de que a riqueza é fixa e limitada, e que o fato de alguns terem mais necessariamente leva outros a terem menos. O que não é verdadeiro, uma vez que o bolo da riqueza vem crescendo. As discussões populistas sugerem que uma melhora no padrão de vida dos mais pobres pas- sa por reduzir a riqueza dos que têmmais, invo- cando medidas como aumentos e criação de tri- butos sobre renda, doações, heranças e divi- dendos. Essas são medidas que geram resulta- dos fáceis no curto prazo, mas desestimulam a geração de poupança e investimentos privados e afetam a capacidade de geração de riquezas. O princípio “Robin Hood” dificilmente levará a um crescimento consistente e duradouro do nível de bem-estar das pessoas maispobres, até porque o Estado é ineficiente na gestão dos recursos arrecadados. O caminho mais eficaz para distribuir renda é a criação de empregos qualificados O caminho mais eficaz para distribuir renda é a criação de empregos qualificados. Então provavelmente a discussão mais pertinente seja em torno de estímulos para que os detentores de poupança apliquem seus recursos de modo a maximizar a geração de riqueza para a sociedade, somada à implementa- ção de políticas públicas mais efi- cientes. O estudo Emprego e crescimento: a agenda da produtividade, publicado pelo Banco Mundial, alerta que, se o Brasil quiser gerarcrescimentoeconômico sustentável e inclusivo, reduzir pobreza e melhorar o padrão de vida das pessoas, deve necessariamente encarar a agenda de reformas. Melhorar a produtividade para aumentar a com- petitividade é essencial para viabilizar uma eco- nomia que necessariamente deverá ser mais aberta, mais integrada ao comércio internacio- nal. O banco aponta para a complexidade da estrutura tributária, o forte aumento da carga de impostosque houve no país, o encolhimento dos investimentos, comprometendo a infraes- trutura e a qualidade dos serviços públicos, a ineficiência do mercado financeiro, a má alo- cação de recursos e a perda de dinamismo da economia. Para compensar os elevados custos de produzir no país, o Governo cria meca- nismos de proteção e compensação que não funcionam. O estudo sugere abrir o mercado, reduzir o Custo Brasil e aumentar a eficiência dosgastos públi- cos. Como coloca Roberto Castello Branco, diretor da FGVCrescimento & Desenvolvimento, a sociedade e os políticos brasileiros não “podem se dei- xar levar pela pregação populista de que ajuste fiscal e reformas estruturais pre- judicam os mais pobres e/ou ‘desnaciona- lizam’ a economia. Pelo contrário, elas bene- ficiam os mais pobres e fortalecem a economia brasileira”. “Bem-estar” é um conceito absoluto e não relativo. O crescimento de uns não depende do encolhimento de outros. Mais consistente é dis- cutirmoscomo fazer todos crescerem juntos, não necessariamente em velocidades iguais, mascom oportunidades mais equilibradas, sem fugir dos preceitos dos regimeseconômicos ocidentais que têm permitido uma melhor evolução das socie- dades. Como afirma Pinker, “apesar de toda a obsessão com desigualdade ao longo da última década, ela não é uma dimensão fundamental do bem-estar humano”.

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