Diário do Amapá - 22/02/2020

LUIZ MELO Diretor Superintendente ZIULANA MELO Diretora de Jornalismo Circulação simultânea em Macapá, Belém, Brasília e em todos os municípios do Amapá. Os conceitos emitidos em artigos e colunas são de responsabilidade dos seus autores e nem sempre refletem a opinião deste Jornal. Suas publicações são com o propósito de estimular o debate dos problemas amapaenses e do país. O Diário do Amapá busca levantar e fomentar debates que visem a solução dos problemas amapaenses e brasileiros, e também refletir as diversas tendências do pensamento das sociedades nacional e internacional. ZIULANA MELO Editora Chefe MÁRLIO MELO Diretor Administrativo DIÁRIO DE COMUNICAÇÕES LTDA. C.N.P.J: 02.401.125/0001-59 Administração, Redação e Publicidade Avenida Coriolano Jucá, 456 - Centro CEP 68900-101 Macapá (AP) www.diariodoamapa.com.br / / mundo está mais interessante. Alguns dizem que adentramos uma era de ins- tabilidade geopolítica. Verdade. Por isso o mundo está mais interessante. Sei tam- bém que você pode achar essa afirmação espantosa e, quem sabe, até estranha. Há uma contradição intrínseca a muitas profissões. Quando falamos de jornalismo e pensamento público, uma contradição ine- rente é o fato de que a grande maioria desse universo de pessoas sonha com um mundo melhor e vê sua atividade como um “sacer- dócio” em favor dessa missão (não é o meu caso: não quero salvar mundo nenhum, quero, talvez, quem sabe, entendê-lo um pouco melhor). A contradição nasce do fato de que quanto mais o mundo agoniza, melhor é para esse mercado de trabalho. Obama foi “boring” na sua contínua afirmação de melosa bondade, reforçando a autoimagem de que somos gente bacana. Trump e Putin, por outro lado, carregando imagens de loucos pouco confiáveis, tornam o mundo mais interessante e instigante; aumentam o número de pessoas interessadas no jornalismo de qualidade e, com isso, aque- cem o mercado para os mais jovens. Que, por sua vez, entram no mercado com a mesma melosa autoimagem de virgens a salvar o mundo, mas que dependerão de figuras como Trump e Putin para terem o que fazer na vida profissional. Eu sei: o mundo é contraditório, mas, para gente que achou que todo o problema do mun- do era a questão “trans” nos banheiros dos shoppings, deve ser mesmo uma agonia encarar o mundo como ele é. E, mais do que interessante, o mundo está voltando ao normal. Instável, criativo, agressivo, exi- gente, implacável. Desde o final da Guerra Fria, na virada dos anos 1980 para os 1990, o mundo parecia acreditar que iríamos marchar para um parque temático que unisse direi- tos civis e humanos a shoppings com variedades veganas de amor aos ani- mais. No meio dessa ponte de perfeição, seres humanos cada vez mais honestos, altruístas e desapegados de bens materiais. Como se as próprias paixões pudessem ser refundadas a partir do seu perfil do Facebook cheio de gratidão. Dito de modo “acadêmico”, a história esta- ria definida pela parceria crescente entre sociedade de mercado e democracia liberal, com tons sociais. Ledo engano. Para fins didáticos e ilustrativos apenas: a Europa, palco de grandes conflitos que impactaram o mundo há séculos, não teve paz de 1789 a 1989 (fiquemos com números redondos pra facilitar a conversa). Aliás, Karl Marx (1818-1883) viveu no meio desse rolo no século 19, por isso ele acreditava que o “mundo burguês estava condenado”. Desde 1989, com a queda dos regimes marxistas totalitários do Leste Europeu, até “ontem”, o mundo desfilava suas belas almas evoluídas. Ainda desfilam, mas agora a ten- dência é parecerem zumbis ansiosos por sugarem o sangue de alguém bom. A Rússia, que sempre teve voca- ção imperial na região, superpotên- cia desde, no mínimo, o final do século 18 (a mesma Rússia que muita gente boa acha que só foi agressiva geopoliticamente no período soviético), volta a desem- penhar seu “natural” protagonismo, resgatando, para muitos, o velho con- ceito de Guerra Fria. O protagonismo russo tende a aumentar. O Estado russo pode ser muito mais ágil do que o americano. A China cria um novo polo de instabilidade, a ponto de engolir a liderança econômica mun- dial. Regime autoritário, pode “provar” que a democracia não é necessária para o enrique- cimento da população. E essas mesmas belas almas podem, um dia, acordar pensando que a democracia, afinal, só é boa para os maus, que querem destruir os que fazem o mundo “melhor” e igual. Os próximos anos deverão ser cada vez mais tomados por instabilidades geopolíticas associadas às tecnologias da informação, às mídias sociais e à inteligência artificial. Guer- ras “algorítmicas” ocorrerão. E isso deixará o jornalismo cheio de tesão pela vida. E o Brasil nisso? Merece uma coluna espe- cial. O Brasil, também, está cada vez mais inte- ressante. Espero poder fazer parte desse pro- cesso cheio de adrenalina, responsabilidade e espanto. As belas almas derreterão. saúde no Brasil tem surpreendido pelo lado negativo e pela crise que se apro- funda a cada ano. A diminuição de leitos nos hospitaisbrasileiros é mais uma marca triste e que agrava o cenário sanitário do país. Redes públicas e privadas estão mergulhadas em pro- blemas estruturais e de atendimento ao paciente. Em outras palavras, a saúde vem sendo tratada como grande parte de seus pacientes, no corre- dor,e correndo risco grave de padecer. De acor- do com um levantamento realizado pela Fede- ração Brasileira de Hospitais (FBH), de 2010 a 2017 os hospitais privados perderam 10% de seus leitos – 31,4 mil unidades. Com isso, eles têm hoje 264 mil leitos hospitalares. Nesse período, encerraram suas atividades 1.797 hos- pitais e foram inaugurados 1.367, ou seja, a rede perdeu 430 unidades. Por região, a perda maior foi no Nordeste (19,2%), seguindo-se Norte (13,3%), Sudeste (12,9%), Centro-Oeste (4%) e Sul (2%). A crise hospitalar acende mais uma luz ver- melha no setor. A diminuição de leitos é reflexo de uma série de fatores que envolvem gestão administrativa, financeira e também questões como a onda de falência e problemas dos pla- nos, operadoras e seguradoras de saúde. Segun- do a FBH, entre as várias causas que explicam uma perda tão grande está o fato de, no Brasil, mais da metade dos hospitais privados ter até 50 leitos, a maior parte dos quais situada em cidades do interior. Uni- dades de pequeno porte não conse- guem ter economia de escala e pro- dutividade capazes de torná-las eco- nomicamente viáveis. Outra causa é a remuneração paga pelo Sistema Único de Saúde (SUS) aos hospitais privados e filan- trópicos para atender pacientes da rede pública. A tabela de procedimentos do SUS cobre apenas 60% dos custos médi- cos. E isso refletiu no fechamento de 53% dos hospitais entre 2010 e 2017, pois atendiam pacientes do SUS. Não é pouco comum o uso da chamada dupla porta de entrada. Na prática, trata-se de um mecanismo em que leitos em hospitais com credenciamento pelo SUS são reservados para a rede privada. Ou seja, leitos já escassos na rede pública são repartidos com o sistema privado, pela necessidade de as ins- tituições receberem um pouco mais pelos seus serviços. Aparentemente isso só serviria para dar aos clientes dos planos a única coisa que eles não têm nos serviços públicos de saúde: distinção, privilégio, prioridade, facilidade, conforto adi- cional, mordomias ou outras coisas do gênero, o que custa caro em hospitais privados e pode ser “mais em conta” quando o pla- no de saúde negocia com hospitais públicos. No entanto, há prejuízo de quem não tem como pagar por tais serviços, aí o direito se considera lesado em princípios como igualdade, dignidade da pessoa humana, saúde, moralidade pública, legalidade, impessoalidade e vários outros. A judicialização também interfere na administração dos leitos. Tanto que há várias ordens judiciais mandando inter- nar na UTI, mesmo não havendo vagas. Os médicos que trabalham nos hospitais acabam tendo de fazer escolhas difíceis sobre quem vai ser internado e quem não vai ser. Em um país melhor, bom seria que não hou- vesse tantos doentes que necessitassem de inter- nações. Bom seria que houvesse mais dinheiro para prevenção e medidas básicas, como sanea- mento no país. Mas essa não é a realidade. A saúde será um dos temas mais debatidos e explorados pelos candidatos nas próximas elei- ções – o que seria positivo se as promessas não passassem somente de palavras ao vento. O país precisa de ações concretas e urgentes para estan- car os problemas, sem paliativos.

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