Diário do Amapá - 08/07/2020

LUIZ MELO Diretor Superintendente ZIULANAMELO Diretora de Jornalismo Circulação simultânea em Macapá, Belém, Brasília e em todos os municípios do Amapá. Os conceitos emitidos em artigos e colunas são de responsabilidade dos seus autores e nem sempre refletem a opinião deste Jornal. Suas publicações são com o propósito de estimular o debate dos problemas amapaenses e do país. O Diário do Amapá busca levantar e fomentar debates que visem a solução dos problemas amapaenses e brasileiros, e também refletir as diversas tendências do pensamento das sociedades nacional e internacional. ZIULANAMELO Editora Chefe MÁRLIO MELO Diretor Administrativo DIÁRIO DE COMUNICAÇÕES LTDA. C.N.P.J: 02.401.125/0001-59 Administração, Redação e Publicidade Avenida Coriolano Jucá, 456 - Centro CEP 68900-101 Macapá (AP) www.diariodoamapa.com.br pósmaisde 500anos de seudescobrimento, e quase 150 anos da proclamação da Repú- blica, oBrasilainda enfrentaumgrandedesa- fio com as questões de água tratada e esgotos, isto é, o saneamento básico! SegundodadosdaOrganizaçãoMundialdaSaúde (OMS), para cada dólar investido em saneamento, o governo economizará US$ 04 dólares em despesas com saúde; ou seja, será 4 vezes mais barato fazer o mínimo que um país tão gigantesco, em área física e emrecursosnaturais,podeesperardeseusgovernantes, emtodasasesferasdopoder;doquegastarcomremé- dios,tratamentose internaçõesplenamenteevitáveis... De acordo com a Organização das Nações Uni- das (ONU, junho 2020), 80% das águas residuais retornam ao ecossistema sem serem tratadas e, por beberem água contaminada, 1.8 bilhão de pessoas(quase 1quartodapopulação mun- dial) estão sob risco de adoecimento e/ou óbito, principalmente, os menores de 02 (dois) anos de idade. Conformedados oficiais, dowebsite do governo, atualizado em junho, 35 (trinta e cinco) milhõesde cidadãosnão têm acesso à água tratada e 104 (cento e quatro)milhõesdehabitantesnão contam com o serviço da coleta de esgotos!!! E essa triste realidade ficoumais doque evi- dente e exposta, nesses temposde pandemia. Em face da aprovação, no Congresso Nacional, donovo marcodoSaneamentoBásico para o país, o Governo Federal tem projetado, via parcerias com a iniciativa privada, alcançar o maior número de lares (até 90%) brasileiros com água e esgotos tratados, o que repre- sentaria a universalização do saneamento, até o ano de 2.033... Entretanto, nem tudo é tão límpido nesse oceanode vaidades. Há críticas em relação ao novo marco; algunsargumen- tam que a nova legislação seria “a priva- tização das águas” ou mesmo uma trans- ferência de“responsabilidadesexclusivas” do poder público. Sejacomofor,navegandoentreosaneamen- toIDEALversusoqueéumanecessidadeREAL, atéapróximadécada:debaixodapontedessalonga história, muitasÁGUAS VÃOROLAR! adécadade1920,o jornalistaamericanoWal- ter Lippmanncunhouaexpressão“fabricação de consenso”. Lippmann tentava explicar como a articulação entre as elites, o governo e a imprensa operavampara criar uma percepçãomono- lítica acerca de determinados temas capazes de pro- duzir um consenso público em democracias liberais, uma vez que, em estados autoritários, o consenso era impostoà força. Essearsenalpropagandísticofuncionacomextrema eficiência até os dias de hoje, de tal modo que, sobre determinados assuntos, praticamente não se vê, ao menos na arena do debate público, grandes divergên- cias. Elites, governo e a imprensa ainda desenvolvem a mesma lógica. Um dos muitos mitos resultantesdessa fábrica de consensoséodequeainiciativaprivada,emqualquer circunstância, será capaz de produzir mais, melhor e mais barato do que o Estado. Este último, corrupto, incompetente e ineficiente. Por essa crença, massiva- mente difundida há mais de um século, sempre que possível,asubstituiçãodeumprestadorserviçoestatal poroutroprivadotrarámaioresbenefíciosatodos.Veja- se,porexemplo,aindanosdiasdehoje,oquãopalatável é a seguinte afirmação feita em 1919: “OEstado,comsuaenormemáquinaburocrática, éasfixiante.Oindivíduopodiatoleraroestadoquando era simplesmente um soldado ou um policial, mas, agora,oestadoétudo:banqueirofornecedordecréditos, proprietáriosdecassinos, cafetão,segurador, carteiro, ferroviário,industrial,professor(...)oEstadocontrola tudo, causandoapenasdanos:cada uma de suasativi- dades é um desastre.”Seuautor, o aspirante a primei- ro-ministro da Itália, Benito Mussolini. Aquele que viria,comacomplacênciasdaselitesitalianas,setornar um dos maiscruéis ditadores da história contemporâ- nea.Odescréditonaviabilidadedeumaagendapública capaz de entregar bons serviços aos cidadãos é parte deumafarsaduradouraqueajudouadesagregarmuitas nações e aprofundar asdesigualdadessociais. Aaceitação, sem maiores resistências, da privati- zação dos serviços de saneamento, com a aprovação doPL4.162/2019,queaguardaasançãopresidencial, é resultado de um consenso público que vem sendo forjado há muitas décadas no Brasil. Consenso outra vez forjado por elites, governo e a imprensa. O novo marco legal para o setor de saneamento básico,nomepomposodaleiquepermiteaprivatização dos serviços de saneamento, promete atrair investi- mentos privados para fazer chegar água encanada e tratada para99%da populaçãoetratar90% doesgoto em todo o territórionacional até o anode 2033. Balela!Mentira!Nadécadade1980,aprivatização conduzidapelogovernoultraliberaldeMargarethThat- cher,noReinoUnido,tinhacomopedraangularaideia dequeosganhosdeeficiênciaadvindosdagestãopri- vadadasinfraestruturasdesuporteaosserviçosdedis- tribuição de energia elétrica, gás, água e telecomuni- caçõespossibilitariamaosconsumidoresoaces- soa serviços mais baratos. Àquelaaltura, nãohavia desafiode uni- versalização desses serviços na Inglaterra. Agestãoprivadaviria,emtese,paraaportar fundamentalmente ganhos de eficiência, bemcomoaexpansãomarginaldasredes de fornecimento. Todoumnovomarcoderegulaçãotéc- nica e econômica foi desenvolvido para tentarevitardoisefeitos inerentesàdelega- ção dos serviços públicos: a assimetria de informação, ou seja, o novo gestor das redes teria muito mais conhecimento dos custos de operaçãoemanutençãodoqueoprópriogoverno britânico;eoabusodepodereconômico,comaprá- tica de preços de monopólios, uma vez as chamadas indústriasderedesecaracterizamporseremmonopó- liosnaturais. O modelo fracassou. Os serviços aumentaram de preço e nem mesmo a expansão marginal das redes aconteceu a contento. No Brasil, o movimento privatista foi importado, mas com justificativas adicionais, que não estavam presentes no modelo britânico.Aqui, além da propa- gandadequea iniciativaprivadaseriamaiságil,mais barata e mais eficiente do que o estado, vendeu-se a ideiadequeocapitaldeinvestidoresnacionaiseinter- nacionais supriria a escassez de recursos públicos e ajudaria ampliar a capilaridade dessas infraestruturas noterritóriobrasileiro.Osalvosiniciaisdaprivatização foram osserviçosde distribuiçãode energia elétrica e osserviçosdetelecomunicação.Osserviçosdesanea- mento acabaram ficando fora porque o poder conce- dente não era a União. Ocorrequeograndefinanciador dasempresaspri- vadasquearremataramasestataisnãofoiocapitalpri- vado, masos fundose bancos públicos, emespecialo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o BNDES. Pode-se dizer que o primeiro efeitovisível da pri- vatização do setor elétrico foi o aumento das tarifas e osegundo,oapagãode2002.Auniversalizaçãoefetiva da distribuição de energia elétrica se deumesmo com oprogramadepesadíssimoinvestimentogovernamen- tal,inclusivecomaportesdiretosdoTesouroNacional, chamadoLuzParaTodos,cercadeumadécadadepois. Atelecomunicaçãoétidacomoosetormaisbem-suce- didopós-privatização,poisefetivamentedeuacessoà massa da população aos serviços de telefonia, antes restrito a uma camada muito pequena da população. Mas será que osucesso foi, de fato, a privatização? Aprivatização do sistema Telebrás ocorreu1998. Àquelaaltura,agrandebarreiradeacessoaumterminal telefônicofixo–é bom lembrar quea telefonia móvel era então apenas uma tecnologia promissora – era o fato que omodelodefinanciamento dasempresas era via participação acionária compulsória dos usuários. Ouseja,juntocomo terminal,oproprietárioda linha adquiria ações da empresa telefônica, que era o principal mecanismo de financia- mento das estatais. O montante de recursos necessários parasetornaracionistadaempresaimpedia aentradadeusuáriosdemenor rendae,ao mesmotempo,regulavaaescassezdeofer- ta. Quando houve a transferência docon- trole acionário para a iniciativa privada, o modelo de financiamento foi radicalmente alterado. O BNDES aportou montantes extraordinários de recursos para financiar a expansãoeamelhoriadosserviçostelefônicos, foicriadoumsistemademetasdeuniversalização, queantesnãoexistia,e,omais importante,as tarifas telefônicasforamsubstancialmenteelevadosepassaram aconstituir oprincipalmecanismodefinanciamentoda operação das empresas. Finalmente, toda essa alteraçãonomixde financia- mentoveioacompanhada deumveloz avançonafron- teiratecnológicadosetor,primeirocomadigitalização, compactaçãoeeficientizaçãodascarasepesadascentrais eletromecânicas de comutação e, posteriormente, da explosãodosserviçosdecomunicaçãodigitalporondas eletromagnéticas. É falso, portanto, muito falso, atribuir o sucesso da universalização à privatização do setor de telecomuni- cações, cuja principal novidade, aliás, é o fato de estar abocanhando um percentual cada vez maior da renda da população, respondendo, nosdias de hoje, por parte significativa do orçamento mensal das famílias mais pobres. No setor de saneamento, o cenário não é nada promissor.OsEstadosdosuledosudeste,ondeosíndices deuniversalizaçãosãoelevados,poderãoprivatizarsuas companhiasdesaneamentosemqueapopulaçãoperceba deimediatoasconsequências.Nomédioprazoosefeitos de exclusão de usuários serão severamente sentidos. Hoje,nomundo,maisdooitocentenasde cidadesrees- tatizaramouestãoemprocessodereestatizaçãode suas companhiasdesaneamento.Nascidadesondeaexclusão sanitáriaémaisaguda,serãonecessáriosrecursosgover- namentaispara financiaras empresasa implantar siste- mas caros e de baixo retorno econômico. O fluxo de caixa dessas empresas não proporcionará os retornos exigidos por seus acionistas sem que neles sejam inje- tadospesadossubsídiosestatais,oqueserájuridicamente viabilizadopelomodelodasParceriasPúblico-Privadas, as PPPs.Não há, no setor de saneamento, o bônus de umafronteiratecnológica tãodinâmicaquantonosetor de telecomunicações nem uma rede tão grande e de expansãoflexível quanto no setor elétrico. Oconsensofarsescofabricadoemtornodonovomar- co legal dos serviços de saneamento só produzirá resul- tadosperversosemaisexclusãosocial,pois,mesmoque ocanochegue àporta dascasasdosconsumidores, estes não terãorendaparapagar as tarifas exigidaspelosacio- nistas das empresas encarregadasde prestar oserviço.

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