Diário do Amapá - 01 e 02/03/2020
/ / / / / / / cas, usando chapéu para encobrir o furo (respiradouro) no topo da cabeça e exalando um forte pixé, diferente- mente dos caboclos que abusavam do perfume, não des- pertava curiosidade dos pais das moças e demais mar- manjos? E, porque apenas o boto tinha o poder de se transformar em gente? A bota também deveria ter o mes- mo poder. É provável que os homens das próprias famílias man- tivessem relações sexuais com filhas, sobrinhas, entea- das, cunhadas, sogras e agregadas, tirando proveito da lenda do boto pra lançar uma cortina de fumaça sobre o “estado interessante” das fêmeas da família. O boto tem pênis, e a bota possui peitos e vagina. No período de acasalamento, que acontece de outubro e novembro, a bota expele uma secreção que tem o mes- mo cheiro do sangue da mulher menstruada, que excita o boto, avisando-o de que está pronta para a reprodução. A secreção não pode ser entendida como menstrua- ção, haja vista que essa só ocorre nas mulheres e prima- tas (chimpanzés, gorilas e outras macacas). Na mens- truação, o sangue que a mulher e as fêmeas primatas expelem pela vagina decorre da eliminação do endomé- trio devido à falta de fecundação dos óvulos. Nas fêmeas das demais espécies animais o endométrio é absorvido pelo útero. Vale esclarecer que a cadela não menstrua, como muita gente pensa. O sangramento que algumas delas liberam provém do rompimento de pequenos vasos devi- do ao elevado fluxo de sangue no período do cio. A ignorância dos índios e dos caboclos, em termos de anatomia, fez surgir a lenda. É claro que o homem só reproduz outro ser com mulheres. Pode transar com fêmeas de outras espécies, que nada acontece. Conta-se que muitos caboclos realizavam tapagem de igarapés usando o “pari”, para capturar peixes, apri- sionando botas caso elas estivessem no trecho interdita- do. Depois da vazante da maré, estando a bota indefesa sobre a lama, o pescador saciava seu apetite sexual. Exis- tem registros de elementos que agiram dessa forma e eles são unânimes em dizer que as contrações dos músculos vaginais da bota deixam o ser humano estafado. O cansaço não provinha do ato sexual em si, mas do esforço desprendido para se manter sobre a bota. De um modo geral, o caboclo matava a bota temendo que ela estivesse grávida. Ao nascer, o boto vermelho tem a pele cinza. Seu nome científico é “Inia geoffrensis”. Coube ao francês Jacques Cousteau alterar a designação boto vermelho para boto cor de rosa. A outra espécie é preta, nomina- da tucuxi, mas parece que não tem o mesmo poder do boto vermelho. No interior da Amazônia, o filho de mulher que não sabe quem é o pai do bruguelo é tido como “filho de boto”. Com certeza, boto de cinco dedos em cada mão. Como tudo acontece no Brasil, não estranhem se apare- cer boto com apenas quatro dedos na mão esquerda. ssa conversa de que o boto vira gente, para sedu- zir mulheres que vivem nas margens de rios e iga- rapés, surgiu quando algumas jovens solteiras engravidavam e seus familiares cuidavam de pro- teger sua honra. Em tempos mais recuados, quando uma mulher sol- teira engravidava dava um rolo danado. Com medo das ameaças do sujeito que lhe aplicara o “benefício”, não revelava sua identidade. Para todos os efeitos, o “benefi- ciador” tinha sido o boto vermelho. Mas não eram apenas as solteiras que ficavam prenhes “misteriosamente”. Algumas mulheres casadas, amigadas ou amancebadas, cujos maridos passavam longo tempo fora de casa, perambulando pela floresta, riscando serin- gueira ou colhendo produtos extrativos, envolviam-se com outro homem e lançavam a culpa no pobre do boto. Certamente, devido ao fato do boto ter pênis e ficar irrequieto quando uma mulher menstruada navega em pequena canoa, acompanhando-a o tempo todo, os índios e os caboclos inventaram a lenda de que o pobre mamífe- ro da ordem dos cetáceos se transformava em homem para deflorar as virgens amazônidas que frequentavam festas dançantes de devoção ou de aniversário. Como o “embarrigamento” de donzelas era relativa- mente acentuado, muitas famílias se apressavam em dizer que a “barriguda” tinha sido seduzida pelo boto. A lenda corresponde a uma história fantasiosa demais. Ora, como é que um jovem estranho de roupas bran- /
RkJQdWJsaXNoZXIy NDAzNzc=