Diário do Amapá - 15 e 16/03/2020

/ Advogadoemembro da Comissão da Verdade sobre EscravidãoNegra / todo negro tem essa vontade, essa garra de lutar e mudar isso. A oportunidade que eu vi veio depois deme profissionalizar, me tornar advogado, enfim, cheguei à conclusão de que poderia contribuir para mudar esse cenário. É muito fácil a gente ficar em nossa zona de conforto, ficar em casa no sofá ven- do os outros fazerem as coisas, enfim, poucas pes- soas têm essa iniciativa de virar protagonista de mudanças. Então veio essa oportunidade com a Comissão dentro da OAB e ela tem um trabalho muito importante para ser feito pelo país, então o Amapá não poderia ficar de fora. Diário – Que tipo de violência racial o senhor já foi vítima? Danilo – Cotidianamente a gente sente a pre- sença do racismo. Quando a gente entra nummer- cado, por exemplo, quando o segurança fica andan- do atrás de você; quando a gente entra numa loja e as pessoas não te tratam bem, a não ser quando você está em vestido. Nunca me esqueço quando uma vez em Castanhal, no Pará, quando caminha- va numa tarde pelas ruas do comércio quando per- cebi que as pessoas iam fechando as portas das lojas; depois na faixa de pedestre via as pessoas levantando o vidro dos carros quando eu me apro- ximava, enfim, nesse dia eu me senti muito mal realmente. Diário – O que precisa ser feito para se eli- minar o racismo doutor? Danilo – Bom, a gente precisa desconstruir o mito da democracia racial que existe no Brasil, que é de afirmar que negros e brancos convivem har- moniosamente, de que não existe racismo no país; e que o negro tem ascensão social igualmente ao branco; enfim, o que não é verdade. Diário – Ou seja, primeiro é preciso admitir que o problema existe? Danilo – É, no Brasil as pessoas querem admi- tir a inexistência do racismo e pior do que isso, não admitir que é preciso dialogar sobre isso, as insti- tuições, as escolas, as famílias, enfim, acreditam veementemente que não precisam debater sobre isso. É umarealidade quea genteprecisa mudar tra- zendo para a ordem do dia o debate sobre discri- minação, racismo, políticas de cotas, pois o que falta para a maioria da população realmenteé infor- mação. O combate ao racismo e a promoção da igualdade racial hoje tem força de emenda consti- tucional no Brasil, pois foi aprovada nas duas casas do Congresso Nacional, emdois turnos e por maio- ria absoluta. É aí que entram as políticas afirmati- vas de direito que eu me referi no começo, cujo objetivo é incluir os negros em outras classes da pirâmide social. / Visão.. / Missão... Perfil... / Diário do Amapá – O senhor passou a pre- sidir a Comissão da Verdade Sobre a Escravi- dão Negra na OAB local, um grande desafio, não é? Danilo Silva – Exatamente, essa comissão é bem nova na OAB. No Conselho Federal ela tem apenas dois anos e aqui no Amapáela está emfase de implementação ainda. Ela já foi criada, fui nomeado presidente e agora estamos formando a comissão, a ser composta por vários advogados, por membros da sociedadecivil e tambémdo Judi- ciário e do Ministério Público que queiram con- tribuir com esse trabalho. Diário – E como ela surgiu, qual é o mote de sua atuação? Danilo – Tal como foi a Comissão da Verda- de, para investigar os crimes na Ditadura Militar, crimes de torturas, homicídios, essa Comissão da Verdade na OAB surgiu com o intuito de investi- gar quais crimes, quem cometeu esses crimes e onde foram cometidos esses crimes que possibi- litaram a escravidão negra no Brasil. Diário – Pelos dados que o senhor dispõe, dá pra dizer onde e quando surgiu a escravidão? Danilo – Bom, a escravidão existe desde que o mundo é mundo, em vários continentes, com os hebreus, com os chineses, enfim. Já a escravidão negra iniciou com as grandes navegações, na épo- ca da corrida entre Portugal e Espanha. Quando Cristóvão Colombo chegou à África, ele viu que as pessoas tinham a pele escura e se espantou, pensando inicialmente que era por questões geo- gráficas que as pessoas tinham pele negra. Levan- tou a teoria de que eram serem humanos primiti- vos e a partir daí iniciou-se o tráfico interconti- nental de escravos, se espalhando pelo mudo. A escravidão negra foi a maior barbárie que já ocor- reu na história da humanidade. Diário – E, claro, acabou chegando ao Bra- sil com os portugueses, é isso? Danilo – Não só com os portugueses, mas tam- bém com os espanhóis e todos os mercadores euro- peus de escravos, como holandeses, franceses. A África, em vinte anos, foi noventa por cento colo- nizada. Diário – No Brasil coube à princesa Isabel abolir a escravidão, mesmo que muitas pessoas questionem o cenário em que isso se deu, não é? Danilo – A princesa Isabel tinha apenas deze- nove anos de idade quando assinou a Lei Áurea, num momento em que havia vários movimentos abolicionistas, numa pressão especialmente dos países que já haviam abolido a escravidão e esta- vam atrás de mercados consumidores. Vale res- saltar que esses movimentos abolicionistas inter- nos não eram antirracistas, pois existiam muitos outros que eram. Diário – Qual seu pensamento sobre a polí- ticas de cotas para negros em vestibulares e também concursos públicos, pois há quem cri- tique dizendo que a reserva de cotas já é algo discriminatório? Danilo – Bom, como é de se esperar somos a favor, claro, pois entendemos ser uma política afirmativa, e afirmativa de direitos, pois se enqua- dra na Constituição como promoção da igualda- de racial. O principal argumento de quem é con- tra, e que a gente escuta muito por aí, é dizer que aprovar as cotas é como se estivesse declarando publicamente que o negro é incapaz. Ora, essa teoria cai por terra a partir do momento que a gen- te pega os dados dos estudantes que ingressaram na universidade pública através da política de cotas. A taxa de evasão escolar é muito menor do que os alunos não cotistas. As notas são melho- res, o esforço e a produção são maiores também, ou seja, a gente sabe que não existe diferença bio- lógica entre um negro e um branco, não existe diferença intelectual. A grande fundamentação das cotas é a diferença de condições, pois a maio- ria afrodescendente é pobre e não tem as mesmas condições que a maioria eurodescendente, de pele clara e de classe média ou alta. Diário – Há uma dívida histórica com a população afrodescendente. Danilo – Gosto de citar sempre o exemplo do juiz federal William Dou- glas, chamado o mago dos concursos, que durante muito tempo foi contra [a política de cotas], mas que hoje éa favor. O que fez ele mudar de opinião? Ele é professor voluntário nesses cursinhos pré- vestibulares para pessoas carentes e viu que a maioria é negra. Ele publicou um artigo sobre isso, explicando as razões para ter muda- do deopinião. Disse ter visto o esforço dessa popu- lação de acordar cedo, pegar ônibus, ir muitas vezes com fome só para estudar, enquanto que a filha dele que mora bem, uma boa estrutura, tem de tudo, possui muito mais condições de ascender na vida. Diário – O senhor já tinha uma história de militância no movimento negro no Amapá? Danilo – Não tinha não, apesar de ser simpa- tizante desde sempre, apesar de sofrer violência racial desde sempre, é uma coisa incomum que Em entrevista à Diário FM, o advogado diz que é preciso admitir que o racismo ainda existe. NoBrasil aspessoasquerem admitirainexistênciado racismoepiordoqueisso, nãoadmitirqueépreciso dialogarsobreisso,as instituições,asescolas,as famílias,enfim,acreditam veementementequenão precisamdebater CLEBER BARBOSA Da Redação

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