Diário do Amapá - 22 e 23/03/2020

LUIZ MELO Diretor Superintendente ZIULANA MELO Diretora de Jornalismo Circulação simultânea em Macapá, Belém, Brasília e em todos os municípios do Amapá. Os conceitos emitidos em artigos e colunas são de responsabilidade dos seus autores e nem sempre refletem a opinião deste Jornal. Suas publicações são com o propósito de estimular o debate dos problemas amapaenses e do país. O Diário do Amapá busca levantar e fomentar debates que visem a solução dos problemas amapaenses e brasileiros, e também refletir as diversas tendências do pensamento das sociedades nacional e internacional. ZIULANA MELO Editora Chefe MÁRLIO MELO Diretor Administrativo DIÁRIO DE COMUNICAÇÕES LTDA. C.N.P.J: 02.401.125/0001-59 Administração, Redação e Publicidade Avenida Coriolano Jucá, 456 - Centro CEP 68900-101 Macapá (AP) www.diariodoamapa.com.br / / uma campanha para ajudar os doen- tes de câncer, uma contribuição substancial foi dada por uma viúva cega. Amulher não achava nada de extraor- dinário nisso. Quando foi entrevistada por uma jornalista ela disse: “Me ensinaram a confiar em mim mesma. Posso ainda dis- tinguir a luz e a sombra, não sou totalmente cega. Posso ainda fazer muita coisa e, gra- ças a Deus, nunca perdi a coragem. A minha cegueira chegou gradualmente e me considero com grande sorte por ter tido muitos anos de vista boa”. Ao contrário dessa viúva generosa, o cego da página do evangelho de João, deste Quarto Domingo de Quaresma, nunca tinha enxergado na vida dele, era “cego de nas- cença”. Interessante, porque o cego, ao final, encontrará a luz plena e os que se achavam com a vista boa – os fariseus – serão declarados cegos. É evidente que o evangelista joga com a imagem, muito bíblica por sinal, da luz. É aquela do sol que nos permite trabalhar de dia e que o cego nunca tinha conhecido, mas também é a luz da fé. Assim aquele que agora enxer- ga, quando encontra novamente Jesus, pode dizer: “Eu creio, Senhor!”. Porque o “Filho do Homem” é a verdadeira “luz do mundo” (Jo 9,5) e aqueles que não o acolhem ficam, agora, na escuridão. Como lembrei domin- go passado, estamos na segunda etapa do caminho para os catecúmenos que eram batizados na noite de Páscoa. Por que essas etapas? Porque à fé em Cristo, chegamos gradativamente, numa busca fadigosa e luminosa ao mesmo tempo. Por isso, como para a samaritana, o homem que antes era cego discute com os fariseus sobre Jesus. Às perguntas deles responde antes que aquele que lhe abriu os olhos é “um pro- feta”, depois um “mestre”, do qual, talvez, vale a pena ser dis- cípulos. Enfim chama de “Senhor” o “Filho do Homem”. Aquele “cego” ganhou a vista, ganhou a luz da fé e, ainda pode seguir o Senhor e fazer parte de uma nova comunidade, já que havia sido expulso daquela dos fariseus. É facilmente compreensível o itinerário da iniciação à vida cristã. Nesta altura da Quaresma, mas sobre- tudo da nossa vida, devemos nos perguntar o que aconteceu com a luz da fé que nos foi doada no dia do nosso Batismo, se ainda enxergamos Jesus como luz para o nosso caminho ou se já seguimos outras “luzes” que consideramos mais luminosas. Nos nossos dias, os cientistas da humanidade salientam um fato curioso. Moramos em cidades iluminadas. Em alguns lugares qua- se não se percebe mais se é dia ou se já chegou a noite. Muitos de nós, talvez até as crianças, esqueceram-se que existem as estrelas, ou nunca param para contemplá- las. Porque para ver o brilho das estrelas precisa da escuridão da noite. Não é para ter medo, mas para perceber, nem que seja por alguns instantes, que não existimos somente nós e que o universo é muito maior de todas as nossas manias de grandeza e de poder. Pior ainda se a maior luz que ilumina o nosso rosto é aquela de uma tela de computador. Nos exaltamos tanto com as “luzes” por nós mesmos produzidas que ficamos cegos, porque enxerga- mos somente isso. Sem dúvida, a humanidade pode ser orgulhosa de si mesma por muitas coisas, mas parece que não enxerga mais o desespero dos pobres, a fome dos pequenos, as vítimas das guerras que ela mesma produz. Quando a luz da nossa vida somos nós mesmos, esta luz pode nos tornar cegos, pela simples razão de vermos somente os nossos problemas, as nossas ambições, o nosso bem-estar. Os outros, e as estrelas vão junto, param de existir. Tal- vez, ainda crianças e jovens iniciamos a nossa vida de cristãos cheios de boa vonta- de, mas, gradativamente, a luz da fé foi se apagando. Começaram a brilhar outras luzes, outros interesses. Acabamos por seguir outros mestres, por escutar outras palavras. Nunca é tarde, porém, para res- gatar o que sobrou da luz da fé em nossa vida. Não será um sinal de fraqueza, ao con- trário, será um sinal da coragem - que talvez perdemos - de admitirmos a nossa pobreza humana. Sabemos muito, mas não sabemos tudo e não será nada vergonhoso pedir ao Senhor Jesus, luz do mundo, que abra mais os nossos olhos. Veremos muitas coisas esquecidas: as estrelas, talvez, mas, muito mais, os outros e Deus. extraordinário fazer a experiência de Deus emminha vida. Essamaravilha, no entanto, desperta em mim alguns pontos de preocupação, que parte do meu mais profundo íntimo: será que nossa gera- ção acredita em Deus? Será que em nossas igrejas se acredita emDeus? As nossas lide- ranças acreditam em Deus? Por que minha apreensão? Essa mudança radical de cultu- ras e convivência sociopolítica nos fragili- zou demais e, ao mesmo tempo, nos dis- tanciou fortemente. Só para se ter uma ideia, hoje cada um tem uma concepção de Deus, de Igreja e de autoridades eclesiais. Hoje em dia, há até católicos que rejeitam o papa, por conside- ra-lo falso. Uma mudança radical de viver a mesma Igreja. Por isso se multiplicam igrejas e cada uma achando de ser a verda- deira. Cada fiel se tornou uma ilha. No entanto, a Igreja, pelo seu percurso histórico bíblico e do magistério, nos ensina insis- tentemente que Ela é missionária. Não se pode seguir o Senhor Jesus Cristo sem ser por Ele enviado. Portanto, devemos discernir como atualizar o mandato de Jesus Cristo: “Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura”. Aquilo que reconheço, no entanto, é a falta da ver- dadeira missionariedade das comu- nidades e igrejas locais. Na verda- de, fala-se muito de missão e mis- sionariedade, mas estão longe em praticar tudo isso. Denota-se uma falta de cora- gem de deixar tantas certezas de bem-estar para viver no meio da pobreza, da fome e da violência. Podem ver como, por exemplo, os institutos exclusivamente missioná- rios, que tanto deram testemunho heroico de evangelização ao longo da história, envelheceram e se esvaziaram. Perderam aquela força e vigor, tornando- se precários. Neste sentido, o papa Francis- co está sacudindo a própria Igreja para que se torne uma “Igreja em saída”, caracteri- zando assim a sua missionariedade bem dinâmica e viva. Para fazer isso, evitando slogans, nasce a vontade de uma mudança radical de viver a Igreja. E a partir dessa mudança que se pode viver verdadeiramente a Missão que lhe é própria. Assim sendo, todo batizado e toda comunidade cristã se sentem responsáveis da evangelização. Naturalmente, isso requer ‘conversão’. Conversão para poder caminharmos juntos: pastorese reba- nho. Isto é urgente para que todo mundopossa conhecer JesusCristo. Às vezes, penso, quando digo isso, que a maioria considera que essa evangelização é feita para aqueles que não acreditam ou não tiveram a possibilidade de conhe- cer a grande verdade da Boa Notí- cia, mas reconheço que sobretudo aqueles que integram as comunida- des necessitem dessa evangelização. Já o papa São João Paulo II exigiu uma Nova Evangelização, porque reconheceu o quanto estamos longe do verdadeiro encon- tro com o Nosso Senhor Jesus. Creio que hoje estamos todos em terra de missão. Vivemos numa época bem secu- larizada e urge a missão. A nossa história é marcada por uma indiferença à religião, à busca de Deus, ao pertencer à Igreja. Está acontecendo uma revolução silenciosa que muda profundamente a identidade das nos- sas comunidades. Enfim, temos sonhado uma Igreja evangelizadora e, no entanto, nos encontramos perante a uma Igreja não evangelizada.

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