Diário do Amapá - 29 e 30/12/2024
ENTREVISTA JURISTA |ENTREVISTA | DIÁRIO DO AMAPÁ DOMINGO E SEGUNDA-FEIRA | 29 E 30 DE DEZEMBRO DE 2024 14 Biografia de ex-ministro retrata trajetória única que se mistura com os principais fatos dos últimos 60 anos no Brasil. Aos 85 anos, o advogado criminalista, ex-ministro da Justiça (governo FHC), ex-secretário de Justiça de São Paulo. P ara José Carlos Dias, tanto democracia quan- to liberdade são direitos que exigem defesa permanente, o que explica a longeva carreira e atuação pública do advogado. José Carlos Dias - Emmeio às revelações da investigação da Po- lícia Federal sobre a trama golpista após as eleições presidenciais de 2022, Dias se diz preocupado e afirma o quanto é necessário prote- ger o estado democrático de direito no Brasil. “Ainda estamos viven- do momento de muito risco”. O relatório daF indicando uma trama, o risco de haver mortes do presidente da República, do vice-presiden- te, do ministro (do Supremo Tribunal Federal) Alexan- dre de Moraes, tudo isso me preocupa muito”, diz. José Carlos - “Vivi momentos terríveis durante a ditadura e isso que eu quero evitar: que vivamos novamente um estado de di- reito disfarçado.” A resistência à ditadura e a Comissão Nacional da Verdade. Filho de desembargador e poeta com livro publicado aos 13 anos, José Carlos Dias foi o orador oficial do Centro Acadêmico XI deAgosto, na Faculdade de Direito da USP, no Largo São Francisco. José Carlos - Em 1963, na posse da diretoria da entidade, teve entre os espectadores o então presidente João Goulart, que disse: “Gostei, guri, do teu discurso”. No ano seguinte, menos de ummês após o golpe, foi o orador da formatura em que definiu aquela tur- ma recém-diplomada como a “despedinte da democracia”. Foi aplaudido de pé. Quando o regime militar endureceu a repressão, principalmente com o Ato Institucional 5 (AI-5), editado em de- zembro de 1968, José Carlos Dias começou a se destacar na defesa de presos políticos, o que o levou também a presidir a Comissão Justiça e Paz, apoiada pelo então cardeal arcebispo de São Paulo, dom Paulo Evaristo Arns. Forammais de 500 pessoas defendidas por Dias. Nem todas, no entanto, escaparam das torturas ou do assassinato sob custódia do estado. Um desses casos foi o de Hele- ny Ferreira Telles Guariba, que pertencia à Vanguarda Popular Re- volucionária (VPR). Ela desapareceu no Rio de Janeiro em 12 de julho de 1971. Décadas depois, já como integrante da Comissão Nacional da Verdade (CNV), Dias extraiu em depoimento do co- ronel do Exército Paulo Malhães o relato do que havia ocorrido com a cliente, assassinada na Casa da Morte, em Petrópolis (RJ), um dos aparatos mais brutais da ditadura militar. O que ele viu e viveu. José Carlos - “Foi uma coisa terrível. Estavam eu e Rosa Cardo- so (advogada e também integrante da CNV)”, relembra Dias. “Com a experiência de advogado, sabendo inquirir, fui procurando a vaidade dele (Malhães), e ele começou a contar todas as violên- cias que foram praticadas na Casa da Morte, em Petrópolis. Con- tou tudo, de uma forma impressionante. Contou até a morte de uma cliente minha, Heleny Telles Ferreira Guariba.” Cerca de um mês depois desse depoimento, fechado ao público, mas acompa- nhado pela imprensa, Malhães foi encontrado morto em sua casa, no interior do Rio de Janeiro. “Queima de arquivo”, considera Dias. “A partir daí, todos aqueles que inquirimos optavam pelo silêncio, preferiam não falar, porque poderiammorrer também.” Apenas duas das recomendações do relatório da Co- missão Nacional da Verdade, apresentado em dezem- bro de 2014, foram seguidas pelo estado brasileiro: a audiência de custódia e a revogação da Lei de Segu- rança Nacional (LSN), do período entre 1964 e 1985. José Carlos - Curiosamente, foi a legislação substituta da LSN que tem servido de base jurídica para a condenação dos envolvi- dos no ataque às sedes dos Três Poderes, em 8 de janeiro de 2023, e para a investigação da trama golpista, que o ex-ministro acompa- nha com atenção. A criação da Lei de Defesa do Estado Democrá- tico de Direito, em 2021, durante o governo Jair Bolsonaro (PL), é considerada um legado relevante da CNV, mas, para Dias, o prin- cipal foi “mostrar à juventude e às gerações posteriores que houve uma ditadura e que não é possível repetir isso”. Embora seja crítico de algumas posturas de ministros do STF, Dias considera “necessária” a maneira como o Judiciário tem atuado na defesa da democracia. José Carlos - “O STF já passou por maus momentos, eu escrevi um artigo duro mostrando as falhas do Supremo no julgamento do mensalão”, recorda. “Neste momento o Supremo está indo bem. Devemos dar força ao STF.” ■ Edição: CLEBER BARBOSA | Texto: GABRIEL GAMA (AGÊNCIA PÚBLICA) Advogado criminalista, ex- ministro daJustiça (governo FHC), ex- secretário deJustiça de São Paulo (governoMontoro) e ex-presidente das ComissõesArns e Justiça e Paz (CJP) Breve biografia - É graduado em direito pela Universidade de São Paulo (USP), tendo sido orador do Centro Acadêmico XI de Agosto e da turma de 1963. - Durante a ditadura militar, tornou-se conhecido como defensor de presos políticos, atuando diretamente na Justiça Militar. - Da mesma forma, Dias é crítico duro de políticas de segurança pública que desrespeitem direitos humanos ou permitam abusos, como casos recentes envolvendo a Polícia Militar de São Paulo. “É fundamental que haja uma política de segurança pública coerente com os ideais democráticos. Câmeras corporais são importantes, mas não é só isso. Além do problema da violência policial, a política carcerária no Brasil está um desastre, terrível.” - Quando pensava em se aposentar, aos 80 anos, Dias foi convocado a fundar a Comissão Arns, ao lado de dezenas de advogados, intelectuais e defensores dos direitos humanos, em 2019. Em 2022, foi escolhido para ler a nova Carta aos Brasileiros no Salão Nobre da Faculdade de Direito, em nome de entidades como Fiesp, Febraban e CUT, entre outras, e em defesa da democracia – na carta de 1977, em plena ditadura, também estava presente nas Arcadas, ao lado de Goffredo da Silva Telles. Posição atual - Para 2025, José Carlos Dias mantém o compromisso de defesa da democracia e da liberdade. Para ele, “sem liberdade não é digno viver”. “Enquanto eu tiver vida, quero lutar pelos direitos humanos.” ■ Professor e jurista José Carlos Dias, ex-ministro da Justiça • Reprodução/CNN Democraciaéconquistaque nãopodemosdeixarescapar PERFIL José Carlos Dias
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