Diário do Amapá - 17 e 18/03/2024

Consultório Psiqué - Avenida FAB, 1070 - Sala 306 - Edifício Macapá Office - 98127-0195 www.diariodoamapa.com @diariodoamapa @diariodoamapa T alvez pelo fato de termos uma visão de perdão muito ligada à maioria das religiões, acabamos pensando muitas vezes que não temos a capacidade de perdoar. E quando pararmos de nos colocar no patamar de “santos”, teremos a oportunidade de experimentar o perdão de uma forma humana. Afinal, mesmo sem percebermos, temos diariamente que exercitar o perdão. Perdão porque nos atrasamos, perdão porque não estu- damos o suficiente para fazer uma prova, perdão porque não conseguimos cumprir nossa agenda diária, enfim. Evidentemente que existem situações que acabam exigindo de nós uma capacidade muito maior do que possuímos para exercer o perdão. O perdão é um recurso psicológico de elaboração de uma situação que gerou sofrimento, seja da gente com a gente mesmo, seja da gente com o outro ou do outro com a gente. E isso fica guardado, muitas vezes remoendo, dificultando o andamento de nossas vidas. Isso porque o ressentimento aprisiona, o perdão liberta. O que precisamos, mesmo, é entrar em contato com o que nos fez sofrer, reconhecer isso, para que assim possamos elaborar. Muitas vezes, isso delega tempo. E não podemos esquecer que perdoar não é voltar a confiar. Por exemplo, uma pessoa que foi abusada pelo pai. Cresce, e chega à conclusão que perdoou o pai, perguntando se pode deixar a filha sob seus cuidados. Evidentemente que não. Afinal, não é porque ela perdoou, que vai anular o ato de abuso, e que pode confiar no seu abusador deixando a filha com ele. Por isso, não é confiar plenamente novamente. Talvez muitos estejam pensando, que se não esqueceu, não perdoou. Porque a visão santifi- cada do perdão ainda esteja muito arraigada, o que acaba colocando o perdão como forma inacessível. Perdoar também não é reconciliar. Reconciliação sugere a restauração do relacionamento. De fato, para que possa haver reconciliação, deve haver al- guma forma de perdão, entretanto, quando se per- doa, não necessariamente deve ocorrer reconcili- ação. A distinção filosófica básica entre perdão e reconciliação é que perdoar envolve a resposta de uma pessoa a uma ofensa, enquanto a reconciliação envolve duas pessoas se relacionando bem nova- me N n ã te o podemos esquecer que existem situações ex- tremas em que é muito difícil falar em perdão. É o caso de uma pessoa que tira a vida de um filho nosso. O primeiro passo, nessa situação, é validar esse sofri- mento, o que leva um tempo considerável. Não é es- quecer, isso não se esquece, mas é possível elaborar. Conseguindo elaborar a dor, vamos entender que temos uma vida, e que eu preciso dar continuidade. Que eu não posso paralisar, que outros precisam de mim. Afinal, estacionando na dor, acabamos paral- isando concomitantemente diversas outras coisas em nossa existência. Seja relacional, profissional, pessoal. Não podemos diminuir ou aprovar o erro do outro. Estamos machucados, e a pessoa vem lhe pedir desculpas, e você acaba dizendo que não foi nada. Na verdade foi sim! Você está magoado. Logo, é interessante que você peça um tempo, para que ela- bore isso, e reconhecer que naquele momento ainda não consegue. Perdoar não é esquecer a afronta, em- bora seja possível relembrar a situação de um modo diferente e menos perturbador. Você precisa trabalhar isso dentro de você. Pre- cisamos ser honestos com nossos sentimentos. Per- doar não é esperar por um pedido de perdão. Eu posso perdoar alguém, e a pessoa não querer me per- doar. O importante, é entender que o perdão é a oportunidade de deixar ir embora algo, que já não faz mais parte da realidade presente. A dor que pas- samos pode não ter sido uma opção, mas arrastá-la conosco, eternamente, com certeza é. █

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