Diário do Amapá - 23 e 24/11/2025
ENTREVISTA PETROBRAS |ENTREVISTA | DIÁRIO DO AMAPÁ DOMINGO E SEGUNDA-FEIRA | 23 E 24 DE NOVEMBRO DE 2025 14 Dívida pública drena R$ 75 bilhões dos cofres da União em recorte parcial de 2025. Para Paulo Kliass o montante do dinheiro destinado ao rentismo em apenas um mês equivale à “economia” do corte de gastos das políticas públicas. P rofessor, o que a Pesquisa Nacional porAmostra de Domicílios (PNAD), publicada recentemente, apon- ta sobre a desigualdade brasileira?. Paulo Kliass - Os dados divulgados pela última edição da PNAD, emmaio de 2025, apontampara uma ligeira redução dos níveis de de- sigualdade no Brasil. Ainda que sejammudanças bastante marginais, residuais, o resultado aponta uma melhora nos níveis de desigualdade. Oproblema maior é que esse tipo de informação acaba não tratando umproblema que é central, estrutural da economia e da sociedade brasileira: o brutal nível de concentração de renda, para não dizer de patrimônio, porque a PNAD não trabalha compatrimônio, apenas com a informação dos rendimentos. De qualquer maneira, ainda que haja uma redução pequena da desigualdade, a renda, por exemplo, dos 10%mais ricos do Brasil, é 13,4 vezes maior do que a renda dos 40%mais pobres. Ou seja, a condição de vida e, portanto, de renda da- queles que se situamno topo da nossa pirâmide da desigualdade é acentuadamente melhor, não apenas dos 10%mais pobres, mas do que os 40%mais pobres. Eles são 13,4 vezes menos recebedores de rendimentos em relação àqueles do topo. Gabriel Galípolo já foi visto como uma alternativa so- cialmente mais responsável, no entanto, todos seus gestos até agora apontam para uma continuidade da condução de Campos Neto. Um exemplo é a elevação para 14,25% da taxa Selic. Como isso afeta a desi- gualdade brasileira? Paulo - A posse do presidente Lula em janeiro de 2023 ocorre já na vigência de uma importante mudança que havia sido feita na institucionalidade do Banco Central na gestão do Bolsonaro e Paulo Guedes: eles encaminharam e o Congresso aprovou uma Lei Complementar que oferecia mandato aos presidentes e aos diretores do Banco Central. Isso fez com que o Lula começasse a sua gestão com nove membros da diretoria do Banco Central, portanto, integrantes do Comitê de Política Monetária – Copom, indicados por Bolsonaro. Essa sistemática previa que com o tem- po eles fossem sendo substituídos, mas a substituição da maioria dos diretores só veio acontecer no início do terceiro ano do presi- dente Lula. Ele conseguiu colocar Gabriel Galípolo como presi- dente e iniciou o governo em 2025 com sete indicações do total de nove diretores. Lula passou dois anos, em 2023 e 2024, criti- cando abertamente o Roberto Campos Neto, principalmente pela política de juros elevados, com a Selic bastante alta, e a ex- pectativa que se tinha com a mudança para o Galípolo é que isso teria uma alteração. Lembremos que o presidente Lula fez ques- tão se pronunciar, dizendo que dava todo apoio ao Galípolo. Ele trouxe nessa entrevista os ministros Fernando Haddad e Simone Tebet, que ficaram apenas como figurantes, mas ele apareceu dando todo seu apoio ao novo presidente do Banco Central. Quanto à dívida pública, há um detalhe de rubrica contábil que inviabiliza que os recursos destinados a esse fim sejam incorporados às políticas de controle de gastos, aos cortes. Que tipo de racionalidade eco- nômica está implicada nessa estratégia? Paulo - As estratégias mais gerais daquilo que hoje chamamos de austeridade fiscal remontam a mais de quatro décadas. Na dé- cada de 1980, tem início um processo de renegociação das dívidas dos países do terceiro mundo, que eram basicamente dívidas junto a bancos internacionais privados. A chamada crise da dívida, à época, passa a ser coordenada por instituições multilaterais basea- das na capital dos Estados Unidos. Esse processo, que é os primór- dios daquilo que passamos a chamar de neoliberalismo, recebeu o título de Consenso de Washington. Era a ideia de estimular a pri- vatização das empresas estatais nesses países, a liberalização mais completa da economia, principalmente na parte de comércio in- ternacional e de fluxo de capitais, e também o maior controle da austeridade fiscal. A ideia era evitar que esses países tivessem ou- tras dificuldades com o pagamento do compromisso das suas dívi- das externas e, com isso, se propôs que a contabilidade separasse despesas financeiras e despesas não financeiras, daí essa diferença em despesas primárias e não primárias. Seu artigo “Bolsa Família e Bolsa Banqueiro”. Do que se trata uma e outra coisa? Quais os efeitos dessa di- cotomia nas condições de vida da população? Paulo - Esse artigo é um retrato de como funciona o quadro de agravamento das desigualdades sociais e econômicas que caracteri- zam, infelizmente, a sociedade brasileira. O que me levou a escre- ver o texto naquela semana foram as notícias que começaram a ser veiculadas, e depois confirmadas, de que a área econômica do go- verno estava buscando encontrar mecanismos para “resolver” a questão do equilíbrio fiscal primário por meio de redução de valo- res de rubricas nas áreas de políticas sociais e públicas. ■ Texto: CLEBER BARBOSA | Foto: IRANEI LOPES V DA/ Divulgação PERFIL Paulo Kliass é graduado em Administração Pública pela Fundação Getulio Vargas – FGV/EAESP, mestre em Economia pela Universidade de São Paulo – USP e doutor na mesma área pela Université de Paris 10. Desde 1997, é integrante da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental, vinculada ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. BREVE BIOGRAFIA -Possui graduação em Administração Pública pela Fundação Getulio Vargas - SP (1985), mestrado em Economia pela Universidade de São Paulo (1988) e doutorado em economia pela UFR - Sciences Économiques - Université de Paris 10 - Nanterre (1994) e pós doutorado em economia na Université de Paris 13. Desde 1997 é integrante da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental, vinculada ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. DOUTORADO - Doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal. Paulo Kliass ■ Paulo Kliass: apenas em março o governo destinou R$ 75 bilhões para juros da dívida pública. É brutal o nível de concentração de renda no Brasil.
RkJQdWJsaXNoZXIy NDAzNzc=