Diário do Amapá - 13/02/2025

| OPINIÃO | DIÁRIO DO AMAPÁ QUINTA-FEIRA | 13 DE FEVEREIRO DE 2025 2 LUIZ MELO Diretor Superintendente ZIULANA MELO Diretora de Jornalismo Circulação simultânea em Macapá, Belém, Brasília e em todos os municípios do Amapá. Os conceitos emitidos em artigos e colunas são de responsabilidade dos seus autores e nem sempre refletem a opinião deste Jornal. Suas publicações são com o propósito de estimular o debate dos problemas amapaenses e do país. O Diário do Amapá busca levantar e fomentar debates que visem a solução dos problemas amapaenses e brasileiros, e também refletir as diversas tendências do pensamento das sociedades nacional e internacional. MÁRLIO MELO Diretor Administrativo DIÁRIODECOMUNICAÇÕES LTDA. C.N.P.J: 02.401.125/0001-59 Administração, Redação e Publicidade Avenida Coriolano Jucá, 456 - Centro CEP 68900-101 Macapá (AP) - Fone: 96-3223-7690 www.diariodoamapa.com.br COMPROMISSOCOMANOTÍCIA E xiste uma interpretação rotineira de que, em caso de dispensa de empregada gestante, quando ela recusa o convite para retornar ao trabalho, estaria abusando do seu direito porque há entendimento corrente de que a estabilidade provisória no emprego, prevista no ADCT, artigo 10, "b", condicionaria o gozo do direito à preservação do vínculo de emprego. O ato de recusa da empregada, portanto, seria caracterizado como abuso de direito e renúncia aos direitos do período da estabilidade provisória. A garantia constitucional da maternidade vem recebendo diversas inter- pretações envolvendo a obrigação de a gestante comunicar o empregador sua gestação a fim de que, sabedor, o empregador não poderia romper o contrato. Esta tese está superada pela jurisprudência trabalhista e que foi objeto da Súmula 244 do TST, sinalizando que o conhecimento pelo empregador não afasta o direito à indenização do período de estabilidade. Esta mesma súmula, no item II, afirma que somente a estabilidade provisória "autoriza" a reintegração se ela ocorrer durante o período de estabilidade, fixando, portanto, que, em situação adversa, a garantia se restringe aos salários e demais direitos do período de estabilidade. A seguir, ainda, sobre a pro- teção à maternidade, a jurisprudência do TST se firmou para estender o direito de estabilidade nas hipóteses de contrato a prazo, item III, da súmula em referência. A tese de fundo refere-se à proteção da maternidade vis à vis o nascituro e não o emprego essencialmente. Trata-se, assim, de direito fundamental destinado à proteção da gestante e do nascituro e que atrai como consequência o compromisso do empregador de ga- rantir o seu gozo pela gestante. Na contramão dessa tese da estabilidade provisória de efeito duplo (gestante e nascituro), criaram-se condições para a preservação pragmática do benef ício do direito. Assim, o desconhecimento pelo empregador seria superado ou reparado mediante nulidade da dispensa (artigo 9º da CLT) seguido do convite para retornar ao emprego nas mesmas condições anteriores à dispensa. Contrario sensu, caso a empregada dis- pensada se recusasse a retornar ao emprego implicaria, este ato, renúncia à garantia constitucional e a pre- tensão de receber exclusivamente a indenização do período "abuso de direito". A dúvida em torno da discussão, diz respeito em saber se poderia haver renúncia de direito à garantia constitucional. Neste sentido, o Tema 1.040 do STF já disse que o negociado não pode excluir direitos constitucionalmente assegurados e que estes gozam de indisponibilidade. Portanto, se não pode excluir direitos pelo viés da negociação coletiva, menos ainda por manifestação individual. Neste sentido, a análise que se faz está no campo do exercício do direito. De um lado, o empregador teria se utilizado do poder potestativo de romper o contrato da empregada e esta, uma vez afastada do vínculo trabalhista, não mais se submeteria às regras disciplinares do contrato de trabalho, não se aplicando o pedido de reconsideração previsto no artigo 487 da CLT, pois, o período de aviso prévio já teria transcorrido e, ainda assim, a lei faculta a re- consideração pela empregada. Mais se pode dizer. Ainda que se pudesse admitir a pretensão exclusiva de reparação pecuniária, a renúncia do retorno ao emprego não parece se encaixar na tese do abuso de direito pela empregada gestante, pois ficaria contaminado, de forma equivocada, pelo ato ilícito de que trata o artigo 187 do Código Civil que considera que "comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes". Depois, no artigo 188 se assevera que não se caracteriza como ato ilícito aquele praticado no exercício regular de um direito. O abuso do direito é o mal uso do direito, é o seu uso anormal, situações que não se podem atribuir à gestante que se recusa a retornar ao emprego. ■ Empregada gestante: ausência de abuso de direito na recusa de voltar ao trabalho A decisão da SDI-1 é paradigmática e reformou o que a 8ª Turma do TST tinha como entendimento pois havia julgado improcedente o pedido de indenização, por considerar que a gestante teria agido de má-fé e com abuso de direito, porque não pretendia o restabelecimento do vínculo, mas apenas a indenização. E-mail: veramoreira@veramoreira.com.br Advogado e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. PAULO SERGIO JOÃO O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria contra a prisão especial para quem é detentor de diploma de ensino superior no último dia 30 de março. Acompanharam o relator, ministro Alexandre de Moraes, os mi- nistros Dias Toffoli, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso, assim como as ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber, no sentido de que o benef ício é inconsti- tucional por ferir o preceito da isonomia. Não há dúvida de que se tratava de um odioso benef ício concedido aqueles que possuem diploma de curso superior em detrimento da grande massa da po- pulação carcerária no Brasil. No entanto, não se pode olvidar que das mais de 700 mil pessoas presas no país, 8% são analfabetos, 70% não chegaram a concluir o ensino fundamental e 92% não concluíram o ensino médio. Não chega a 1% os que ingressam ou tenham um diploma do ensino superior. Na verdade, a decisão do Supremo tirou o chamado "bode da sala". Explico. Há uma lenda que uma família russa, quando do recenseamento anual, por conta do aumento do número de integrantes no núcleo familiar, foi postular a troca do imóvel que moravam por outro maior, com escopo de melhorar as condições de vida. O governo russo, detentor a época de todos os imóveis do país, ao invés de ceder ao pedido e proporcionar uma moradia melhor aos cida- dãos que compunham aquele núcleo familiar, manteve o imóvel e acrescentou um bode para que a família cuidasse. No ano seguinte, na mesma época, a família voltou a pedir melhorias das acomodações, mas o go- verno não deu, no entanto retirou o bode da sala. A família saiu com as mesmas acomodações, mas feliz por não precisar cuidar do bode. A decisão da Suprema Corte parece com a questão do “bode russo”, uma vez que aparenta ser uma decisão que iguala a todos os encarcerados, independentemente da sua condição social e escolaridade. Porém, faz vistas grossas para as grandes mazelas do falido sistema prisional brasileiro. Embora a Constituição e as normas infraconstitu- cionais garantam a preservação dos direitos funda- mentais das pessoas presas, a realidade carcerária é, em sua esmagadora maioria, absolutamente diversa. O livro “A pequena Prisão”, escrito por Igor Mendes, um estudante de Geografia, preso durante as mani- festações populares de 2014 contra o governo Dilma, reproduz, como nenhuma obra de criminologia foi capaz, a realidade da vida no cárcere e a supressão dos direitos das pessoas presas, que são estigmatizadas e reificadas, senão vejamos: “A galeria consistia em 14 celas individuais, muito altas e estreitas. A cela – ou “cubículo” – é a unidade básica da cadeia. No seu interior, havia um pequeno corredor, no fundo do qual ficava a comarca e no canto o boi, separado do restante do cubículo por uma parede de cerca de 1,5 metro. O boi, além do buraco no chão e um cano usado como chuveiro, tinha um pequeno tanque, propositalmente entupido pelos presos para armazenar água. Isso era necessário porque os guardas só abriam o registro duas ou três vezes ao dia, por dez minutos cada vez. De dois em dois dias, esse tanque devia ser esvaziado, pois do contrário ficava completamente infestado com larvas de mosquito (mosquitos que, aliás, eram um dos maiores inimigos dos presos naquele inferno). As paredes sujas no interior das celas, descascadas, tinham as cores azul e branco. Não havia, por parte da direção, qualquer preocupação com a limpeza das celas. Nos quarenta dias em que lá estive, apenas uma vez peguei em uma vassoura e, para varrer o chão, tinha que recorrer a uma camisa velha. Obviamente também não tínhamos acesso a desinfetante, água sanitária ou qualquer produto de limpeza, e mesmo a posse de um balde nos era negada. Como, por questão de segurança, não havia ralos nas celas, nem na galeria, lavar o chão era tarefa praticamente impossível. Para lavar as roupas, tínhamos que nos contentar com água e o sabonete ralo que nos forneciam, de modo que bastavam dois ou três dias para que uma camisa branca ficasse completamente cinza. Também não tínhamos acesso a espelho ou barbeador e cheguei a ficar várias semanas sem ver o meu rosto. ■ Prisão especial para diplomados: STF tirou o "bode da sala" São duas importantes sinalizações no sentido do descumprimento, pelo Brasil, de regras mínimas de preservação dos direitos fundamentais das pessoas presas e desprezo pelo princípio da não discriminação. Mas o que foi feito de concreto? Há políticas públicas no sentido de minorar esse draconiano estado de coisas? Evidentemente que não há. E-mail: caio@libris.com.br Advogado MARCELO AITH

RkJQdWJsaXNoZXIy NDAzNzc=