Diário do Amapá - 24 e 25/05/2020

LUIZ MELO Diretor Superintendente ZIULANA MELO Diretora de Jornalismo Circulação simultânea em Macapá, Belém, Brasília e em todos os municípios do Amapá. Os conceitos emitidos em artigos e colunas são de responsabilidade dos seus autores e nem sempre refletem a opinião deste Jornal. Suas publicações são com o propósito de estimular o debate dos problemas amapaenses e do país. O Diário do Amapá busca levantar e fomentar debates que visem a solução dos problemas amapaenses e brasileiros, e também refletir as diversas tendências do pensamento das sociedades nacional e internacional. ZIULANA MELO Editora Chefe MÁRLIO MELO Diretor Administrativo DIÁRIO DE COMUNICAÇÕES LTDA. C.N.P.J: 02.401.125/0001-59 Administração, Redação e Publicidade Avenida Coriolano Jucá, 456 - Centro CEP 68900-101 Macapá (AP) www.diariodoamapa.com.br / / ra o dia do aniversário de Bete. Ela acordou radiante. Vestiu sua melhor roupa e foi tomar seu café da manhã, imaginando que, quando seu marido e filhos acordassem, iam todos dar-lhe os parabéns. Mas não foi o que aconteceu. Sua família acordou e todos estavam apressados. Mal lhe deram o bom-dia e saíram cada um para os seus afazeres. Bete ainda pensou que a sur- presa viria a meio-dia, na hora do almoço, porém nada aconteceu. O marido ligou que ficaria no trabalho. Os filhos...só chegariam de tardezinha. Bete não perdeu a esperança. Tinha certeza de que a surpresa viria na hora do jantar. Então haveria bolo, flores, cartões e abraços. O dia terminou como tantos outros e nada aconteceu. Bete foi para a cama sen- tindo-se esquecida. Naquele momento, ao analisar o que havia acontecido, ela percebeu que as coisas podiam ter sido diferentes se ela mesma tivesse providenciad o seu bo lo, flores e convidados ao invés de ficar espe- rando que os outros fizessem isso por ela. Neste domingo, celebramos a Ascensão do Senhor. A apresentação deste evento, como o encontramos no livro dos Atos dos Apóstolos, é aquela que mais chama a nossa atenção. No entanto, além da nossa imagina- ção e das diversas formas com as quais o Novo Testamento se expressa, o que devemos entender é a grande verdade da nossa fé. “Ascensão” significa elevação, alguém que “subiu” e/ou foi enaltecido. Quem? Jesus, o crucificado, o desprezado, o mesmo que mor- reu e “desceu” à mansão dos mortos. “A esse Jesus Deus ressuscitou...e agora, exaltado à direita de Deus... o constituiu Senhor e Cristo” (Atos 2,32-36). No evangelho de João, Jesus ressuscitado diz a Maria Madalena: “Não me segures! Eu ainda não subi para junto do Pai, mas vai dizer aos meus irmãos, que eu subo para junto do meu Pai e vos- so Pai, meu Deus e vosso Deus” (Jo 20,17). Na carta aos Filipenses, encontramos isso com outras palavras ainda: “Por isso, Deus o exaltou acima de tudo e lhe deu um Nome que está acima de todo nome...e toda língua confesse: Jesus Cristo é o Senhor” (Fil 2, 9-11). Tudo isso nós declaramos no Credo: “ressuscitou ao terceiro dia; subiu ao céu; está sentado à direi- ta de Deus Pai todo-poderoso”. Por causa da nossa fé nós olhamos para “o céu”, não para ver ou estudar os planetas, mas para expres- sar, apesar das limitações da nossa linguagem, que esperamos estar um dia participando da própria vida divina, como Jesus prometeu. Estar “no céu”, portanto, é sinônimo de estar “com Deus”. Essa “vida plena” sempre será um presente exclusivo do Pai, um dom da sua misericó ;rdia. E ntão, vamos aguardar passar o tempo da nossa vida para ver se depois, de alguma forma, seremos agraciados com a fes- ta do céu? Nada disso, a nossa espera pela “volta do Senhor” – que virá a julgar os vivos e os mor- tos – deve ser ativa, participativa, um testemunho luminoso da nossa fé na bondade de Deus. Sobre isso os “dois homens vestidos de branco” questio- nam os apóstolos: “Homens da Gali- leia, por que ficais aqui parados, olhando para o céu? (Atos 1,11). “Então os apóstolos voltaram para Jerusalém...”. “Voltaram”, sim, para a cidade onde Jesus tinha sido cru- cificado, mas agora com a certeza de ter uma missão a cumprir: ser “teste- munhas” da novidade da Páscoa “até os confins da terra”. Uma missão que nunca vai acabar, não porque o nosso pla- neta aumente de tamanho, mas porque sempre chegarão novas gerações, novas culturas, novas situações a serem iluminadas pelo Evangelho de Jesus. Quais situa&c cedil;&o tilde;es de maneira especial? É sempre Jesus o nosso mes- tre. Ele foi “exaltado” porque teve a capacidade de “descer”, na morte. Mas antes também “desceu” no desprezo da cruz, contado entre os malfeitores, condenado por aqueles que já o tinham julgado infrator da Lei, amigo das prostitutas e dos cobradores de impostos. Ami- go dos “errados”, em poucas palavras. Se ainda não entendemos, “subiremos” somente se tivermos a capacidade de “descer”, por amor, junto àquela humanidade que parece ter per- dido todas as chances e toda a esperança. Seja- mos nós a preparar o bolo e as flores e a con- vidar quem está lá, no fundo. A festa não pas- sará em branco e o céu começará aqui. essestempos, mergulhado no silêncio, pude aprofundarmuitasquestõesque, frequentemente, sou interpelado no decorrerdomeu cotidianode sacerdote e pro- fessor. Creio que a primeira coisa que temos de fazer é contextualizar o ser humano nos tempos de hoje. Todo mundo concorda que a vida dos nossosdiasnão é a mesma do pas- sado. Realmente, ascondiçõesde vida, atual- mente, são bem diferentes. Um ser humano que é caracterizado pela sua peregrinação (definida como migrante, por alguns, emmetáfora para entendera tran- sitoriedade) e, portanto, a partir dessa nova atitude é que se constitui a formação dele. Sendo assim, não podemos tirar conclu- sões fáceis a seu respeito. É bastante com- plicado enfrentaro serhumano na eramoder- na com os métodos tradicionais, qual a ética das intenções, a ética da responsabilidade etc. Instrumentos esses que revelam fortes limites e frágeis orientações. Sabemos também, e já escrevo isto há muito tempo, que o produto da ciência e a explosão tecnológica geraram não poucas dificuldades na vida das pessoas. Sempre falei que o serhumanonão é feito para ter todas essas mudanças tão repentinas. Ele precisa de um tempo e de um espaço à medida dele. E com certeza, podem acreditar, que com a expansão da tec- nologia científica tão rápida irão aumentar as dificuldades. De fato, estamos assistindo à produção de supercomputadoresque têm capa- cidades de fazer cálculos que, uns dizem, tentam imitar a função do cérebro humano. Naturalmente, desconfiamos de que isso possa acontecer. Mas, certamente, alcan- çando as metas intermediárias podem criar bastantes problemas. Nesses dias, reli um texto do meu esti- mado ex-professor italiano de filosofia, UmbertoGalimberti,que escreveu oseguinte: "Osanos que estamos vivendo viram se aca- barumdomínio, e deu início aquele processo migratório que irá confundir os confins dos territóriosonde se orientava anossa geografia. Usose costumes se contaminame, se 'moral' ou 'ética' querdizer costume, é possível supo- ro fim das nossas éticas fundadas sobre noções de propriedades, território e confim a favor de uma ética que, dissipando cercas e certezas, vai configurando-se como ética domigrante que não se apela ao direito, mas à experiência, porque, a diferença do ser humano do território que há a sua certeza na propriedade, no confim e na lei, o migrante (ao contrário) não pode viver sem elaborar a diversidade da experiência (...) Sem meta e sem ponto de partida e de chegada, que não sejam pontos ocasionais, o migrante, com a sua ética, pode ser o ponto de referência da huma- nidade que virá, se apenas a história acelera os processos de recente encaminhados que são no sinal da desterritorialização". Assim sendo, podemos confirmar aquilo que sempre defendi: toda essa nova tecnologia nãosão simplesinstrumentosa nos- sa disposição, mas se tornam praticamente o novoambiente onde oserhumano é fortemente condicionado em toda a sua essência de ser. A técnica, a essa altura, determina o curso da história humana, porque não vale tanto dizer "o que podemos fazer com a técnica?", mas "o que a técnica pode fazer de nós?". Veja como é diferente. A questão, portanto, é: até que ponto con- seguimos ser sujeitosda nossa história, ousim- plesmente objetos? Revestindo-se de novas atitudes e costumes, o ser humano moderno não tem pontos determinados de referências, mas, sim, uma contínua busca referencial.

RkJQdWJsaXNoZXIy NDAzNzc=