Diário do Amapá - 01 e 02/03/2020

LUIZ MELO Diretor Superintendente ZIULANA MELO Diretora de Jornalismo Circulação simultânea em Macapá, Belém, Brasília e em todos os municípios do Amapá. Os conceitos emitidos em artigos e colunas são de responsabilidade dos seus autores e nem sempre refletem a opinião deste Jornal. Suas publicações são com o propósito de estimular o debate dos problemas amapaenses e do país. O Diário do Amapá busca levantar e fomentar debates que visem a solução dos problemas amapaenses e brasileiros, e também refletir as diversas tendências do pensamento das sociedades nacional e internacional. ZIULANA MELO Editora Chefe MÁRLIO MELO Diretor Administrativo DIÁRIO DE COMUNICAÇÕES LTDA. C.N.P.J: 02.401.125/0001-59 Administração, Redação e Publicidade Avenida Coriolano Jucá, 456 - Centro CEP 68900-101 Macapá (AP) www.diariodoamapa.com.br / / Têm palavras más e palavras boas. Palavras leves que voam e outras que pesam como pedras enormes. Têm palavras que ferem o coração e outras que o aquecem. Algumas fazem chorar, outr as sorri r. Têm palavras que fazem viver, por- que dão coragem e dignidade. Com as pala- vras se pode errar, fazer sofrer, mas, depois, é possível corrigir o erro. Têm palavras car- regadas de sentido como: ‘te amo’, ‘me per- doe’, ‘juntos’ ... Têm também palavras de vida eterna. Mas, ainda as lembramos?” Encontrei essa poesia, sem o nome do autor, e me lembrei da força das palavras da Escritura que Jesus usou para vencer as tentações. Foram chamadas de arma, de escudo. Penso que, mais uma vez, foram uma lição. Grande e simples ao mesmo tem- po. No primeiro domingo da Quaresma, sempre encontramos a página dos 40 dias de Jesus no deserto. Entendemos que estas foram as tentações que o acompanharam ao longo de toda a sua vida. Podia ter sido ummessias poderoso e triunfador, de acor- do com a mentalidade e os sonhos do mun- do ou, como foi, um salvador pobre e des- conhecido aos olhos dos grandes, mas per- feito no amor e na entrega ao projeto do Pai. A “lição” da página evangélica das ten- tações nos ilumina sobre o uso que fazemos das Escrituras e a maneiras de entendê-las. As consequências serão vis&iacu te;veis em nossas vidas. Hoje, por exemplo, somos tentados de pensar que com a ciência e a tecnologia, fruto da inteligência humana, tudo, ou quase, esteja ao nosso alcan- ce. É possível reciclar até o lixo e ganhar dinheiro. Mas também é possível fabricar armas letais, silenciosas e microscópicas como um vírus sem cura. Milhões de seres humanos gostariam que as pedras se tornassem pão, porque morrem de fome. O que continua de pedra é o coração dos ricos e a ganância de um sistema que vive só pelo lucro. Poder, riqueza e sucesso continuam a ser os ídolos mais adora- dos da história humana. Podemos usar as palavras da Escritura para lembrar as promessas grandiosas de Deus, a partir de Abraão, pai de uma mul- tidão incalculável. Lembrar o compromisso que o reino de Davi não ter&aacut e; fim. Até o pobre Jó, tão sofredor, após aguentar os desaforos dos amigos para ficar fiel a Deus, recebeu como prêmio mais bens e mais filhos e filhas do que tinha antes. Teria sido tão simples para Jesus receber todos os reinos da terra, bastava dobrar ao menos um joelho. Tem mais uma palavra muito usada para quem continua achando loucura a cruz de Cristo: “Maldito todo aquele que for suspenso no madeiro” (Dt 21,23, citato em Gl 3,13). Não precisa mexer com Satanás. Basta refletir um pouquinho para entender que podemos usar a mesma Escritura para expli- car as coisas do mundo, para chamar rique- za e saúde de benção e pobr eza e do ença de castigo. Ou, deixar que seja o próprio Jesus a abrir a nossa inteligência, como fez com os seus discípulos após a ressurreição. É a lição exem- plar da vida dele que dá luz às Escrituras e não o contrário. A Palavra de Deus deve ser um ali- mento que motiva a generosidade e não o egoísmo, a partilha e não a acumulação, uma economia soli- dária e não somente lucrativa. Tam- bém tentamos o Senhor quando o desafiamos a se mostrar com algo extraordinário, quando invocamos o seu nome para que ele faça aquilo que nós deveríamos fazer e não fazemos, ou seja, amar-nos e perdoar-nos mais. Não enxerga- mos mais o milagre da vida que acontece todos os dias de baixo dos nossos olhos. Dei- xamos de contemplar a natureza, com sua beleza e harmonia, assim esquecemos o pri- meiro livro, sempre aberto, que nos fal a de umDeus amoroso e providente. Aclamamos e dobramos os joelhos diante de falsos deu- ses, estrelas da mídia, salvadores de pátrias fabricadas com a propaganda e os números maquiados das pesquisas encomendadas. Jesus foi plenamente humano; aquelas ten- tações são sempre também as nossas. Se apresentam fascinantes. Mas nós fomos sal- vos porque ele não desceu da cruz, porque nos amou até o fim. Em tempo de Quaresma, precisamos de palavras verdadeiras, de vida e esperança, não de discursos tentadores e promessas falsas. É o caminho da cruz, mas é a felicidade da vida doada. uas desertas, silêncio profundo. Os comércios estão vazios; as igrejas, sem celebrações. As esco- las foram fechadas. É o Nordeste da Itá- lia, onde estou nesse momento. As pes- soas estão muito preocupadas: corona- virus é o espectro dominador. A epide- mia começou na China no fim de 2019 e daí se espalhou em 28 países. A Itália é o terceiro país no mundo em número de contágios. Até esse momento (25.02.2020), já temos na Itália 322 casos confirmados, com onze vítimas. Aquilo que me surpreende é o alarmis- mo que está tomando conta das pessoas. Só para se ter uma ideia, os contatos se esvaziaram, as prevenções de evitar o toque de mão estão tomando conta, as pessoas munidas de mascaras para colo- car no rosto crescem sempre mais. Tam- bém foram canceladas as manifestações carnavalescas, como a famosa festa de Veneza. Jogos importantes do campeo- nato italiano de série A foram cancela- dos, entre eles em Milão e Verona. Até às 24 horas do primeiro de março, deve-se manter esse regi- me férreo de prevenção. E as pessoas que encontro ficam perplexas, apavoradas, e me confiam: “Será que vamos sair dessa? Até quando podemos aguentar tudo isso? O que vai acontecer conosco? Será que a minha tosse é sintoma de corona- virus?” Tudo se abalou. Tanto o povo quan- to todas as organizações sociopolíticas e religiosas. Eu fico olhando este deserto que improvisamente surgiu neste ambiente tão belo e superorganizado. É espontâneo pensar o quanto é fácil colo- car em crise também uma sociedade bem estabilizada e antiga como a italiana. Parece-me que se está num estado de guerra. Talvez esse é ainda pior, porque o inimigo é invisível e se tem dificul- dade em como combate-lo. Será que isso é o futuro das novas guerras? Uma coisa é certa: este vírus tão invi- sível se tornou um gigante entre nós e bota medo sem fim. Também a economia está sofrendo as consequências des- ta difusão do coronavirus. Está desestabilizando tudo e, sobre- tudo, a emotividade das pessoas, a convivência civil do ser huma- no, porque a pessoa começa a sus- peitar da pessoa que pode ficar por perto. Assim sendo, este vírus põe os homens e as mulheres um contra o outro. Creio que nunca como hoje e nestas situa- ções a melhor resposta a tudo isso seja a fé e a cultura, que, certamente, não evi- tam as dificuldades, mas ensinam como enfrenta-las. Perante a tanta desesperação o convite é a ser humanos e como tal ficar. Não podemos nunca esquecer que o gigante não é o coronavirus, mas nós, seres humanos. É uma lição de vida para qualquer calamidade em nossa vida.

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