Diário do Amapá - 15 e 16/03/2020

mais obediente do que o “boçal”, que por sua vez era orgu- lhoso, não se resignava com a condição de escravo e vivia tentando escapar do cativeiro. O negro fugido era rotulado como “peça” e, quando capturado, recebia marca de um F com ferro em brasa na omoplata e o número correspondente aseu registro no Senado da Câmara, órgão queo controlava. O escravo era uma mercadoria cara, razão pela qual era cas- tigado, mas dificilmente morto por seu proprietário. Isso só ocorriaquandoocativose tornavaviolentoeameaçavaavida dos senhores. Quem pensa que os negros fujões viviam emquilombos instaladosnasmatasdoCuriaúestá redondamenteenganado. Àsvezes elespassavampor lá, quasesempre ànoite, e atése aproximavam do local onde os escravos do Alferes Miranda dormiam. Antesdeadotaremtalatitudebatiamem troncosde árvores ocas dando sinal. Nem sempre eram atendidos, mas quando issosedava, osevadidosempreendiamimediata reti- rada depois de alimentados. Se o feitor descobrisse, o escra- vo que tivesse ajudado os fujões era penosamente castigado. Deummodogeral,oescravofugidonãoencontravameios desobrevivência, por issovagavampelasmatasouáreas rurais dedifícil acesso. Era identificadocomo “calhambola”e fica- va entocado durante o dia. Á noite, valendo-se da escuridão, invadiampropriedadespara roubaralimentos,roupaseoutros objetos. A aparência dofujão, cabeludoe maltrapilho,assus- tavaaspessoase colaborouparaquesurgissemas fantásticas lendas do lobisomeme dos mortos-vivos. Os antigos moradores do Curiaú contavam que, na mar- gem do Rio Amazonas, em local relativamente distante e de difícil acesso, demorava uma negra que tinha na omoplata direita onúmero 19 eera “velhaca” e“sagica”. Elamantinha em um mocambo que servia para descanso dos fujões, algu- masapaziguadas tidascomo“folgazonas”, istoé,mulheresque se prostituíam. Até soldados que serviam da Vigia do Igara- pé Curiaú iam manter relações sexuais com elase certamen- te as acobertavam. OobjetivodosnegrosfugidosdaFortalezadeMacapáera alcançar a área compreendida entre os rios Araguary e Oia- poque, considerada neutra por Portugal e França. O quilom- bo do Araguary ficava perto da cachoeiradoParedão. Ali, os fujõesplantavamsuas roças,criavampequenosanimais,pes- cavam e caçavam por algum tempo. Posteriormente buscavam manter contatos com os fran- ceses, com o quais trabalhavam na exploração de ouro sem serem tratados como escravos. Por diversas vezes, os inte- grantes dos grupos de resgate de escravos arribados da For- talezadeMacapáencontraramvestígiodapassagemdos fujões pelo quilombo do Araguary, maseles já estavam longe e em terras onde ainda não prevalecia a soberania portuguesa. No caso de Macapá não se tem informações da existência do famoso capitão-do-mato, negro liberto queocupava aúltima categoria do funcionalismo público. Além de cassar negros fujões e criminosos , o capitão do mato também resolvia as questõesde delitos no meio rural. ata de 21 de julho de 1765, a carta que o Comandante da Praça de Macapá Nuno da Cunha de Atayde Varo- na remeteuaogovernadordoEstado doGrãoPará, Fer- nandodaCostadeAtaydeTeive,comunicandoàsdificuldades quevinha encontrando para tocar as obras da FortalezadeSão José, em Macapá, devido à fuga de negros que se embrenha- vamnas campinas e matas em demanda do quilombo existen- teàmargemesquerdadoRioAraguary.NunoVarona informava ao governador que iria aproveitar os feriados religiosos dos dias 25 (em louvor a São Tiago) e 26 (devotado a Sant’Ana e São Joaquim, genitores de Maria Santíssima e avós de Jesus Cristo) para expedir várias partidas de índios, pretos ladinos e soldados no sentido de capturar os escravos fugidos. Os negros evadidos, quase todos denominados “boçais”, sempreobrigavamqueoutroscativososacompanhassem. Isso era feito para evitar que os soldados ficassem sabendo o rumo que os fujões tomavam. Sempre que ocorriam fugas, diversos negros retornavam voluntariamente à Fortaleza dizendo que suasausênciasacontecerampor imposiçãodos lideresdosrevol- tados. A jornada empreendidapelos fujõeserapenosae longa. ElesenveredavampelascampinaspróximaaMacapáedepois tomavamo rumoNorte, sempreseguindoocursodoRio Mata- py que nasce no Rio Araguary. Nem sempre podiam contar coma ajuda dos negrosque trabalhavamem fazendas de cria- ção de gado e utilizados nas plantações. Os fujões mais fracos acabavam morrendo exaustos e de fome, perdidos em ambiente desfavorável. O negro ladino era / / / / / / / / / /

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