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Opinião
1
jornal ,,
DIARI01~
COMPROMISSO COM ANOTÍCIA
e
DIÁRIO DO AMAPÁ
e
QUINTA-FEIRA 116 DE JANEIRO DE 2020
LUIZ MELO
ZIULANA MELO
Direror Superimendeme Dirernra de Jornalismo
ZIULANA MELO
Editora Chefe
MÁRLIOMELO
Direror Adminisrralivo
DIÁRIO DE COMUNICAÇÕES LTDA.
Circulação simultânea em Macapá, Belém, Brasília e em todos os municípios do Amapá. Os
conceitos emitidos em artigos e colunas são de responsabilidade dos seus autores e nem
sempre refletem a opinião deste Jornal. Suas publicações são com o propósito de estimular o
debate dos problemas amapaenses e do país. O
Diário do Amapá
busca levantar e fomentar
debates que visem a solução dos problemas amapaenses e brasileiros, e também refletir as
diversas tendências do pensamento das sociedades nacional e internacional.
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e
SILVANA MARIA DOS SANTOS
É
NUTRICIONISTA, ESPECIALISTA EM SAÚDE COLETIVA, MESTRE EM ANTROPOLOGIA SOCIAL
Articulista
Alimentação adequada e opapel do Estado
A
alimentação é considerada, no artigo 3°
da Lei Orgânica da Saúde (Lei 8080/90),
elemento determinante e condicionante
da saúde. Também é assumida como direito
humano fundamental e social previsto nos arti–
gos 6º e 227º da Constituição Federal, definido
pela Lei Orgânica de Segurança Alimentar e
Nutricional (Losan), bem como no artigo 11
do Pacto Internacional de Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais e outros instrumentos jurí–
dicos internacionais. Decorre daí que o Estado
brasileiro assuma a concepção da alimentação
em termos de direito humano
à
alimentação
adequada (DHAA), que deve ser efetivado
levando em conta as noções de segurança e
soberania alimentar.
A segurança alimentar e nutricional consiste
na garantia de condições de acesso aos alimen–
tos seguros e de qualidade, em quantidade sufi–
ciente, de modo permanente e sem comprome–
ter o acesso a outras necessidades essenciais.
Tal compreensão deve ser considerada em arti–
culação com a noção de soberania alimentar,
o que implica dizer que cada país tem o direito
de definir suas próprias políticas e estratégias
sustentáveis de produção, distribuição e con-
sumo de alimentos que garantam o direi- ,
to
à
alimentação para toda população,
respeitando as múltiplas característi–
cas culturais dos povos.
Desses conceitos desdobra tam–
bém importante consideração acerca
da complexidade do que seja alimen–
tação adequada. A adequação não
deve ser tomada somente do ponto
de vista biológico/nutricional, dada a
complexidade que marca as escolhas e
as práticas alimentares. A atenção
à
ali–
mentação deve ser adequada também (e
sobretudo) do ponto de vista da possibilida–
de de manutenção da diversidade cultural ali–
mentar. Comida é também identidade e cultura,
de modo que a possibilidade de cultivar hábitos
e práticas alimentares culturalmente constituí–
das são qualidades do universo microssocial
que conformam dimensões macroeconômicas
e políticas, e vice-versa.
De acordo como o entendimento da Orga–
nização das Nações Unidas para a Alimentação
e a Agricultura (FAO), leis específicas podem:
determinar de forma clara o âmbito e o con-
Cada
país
tem
o
direito
de
detinír
suas
próprias políticas
e
estratégias sustentáveís
de
produção, distribuição.
''
teúdo do direito
à
alimentação; definir as
obrigações do Estado relativamente a
este direito; criar os mecanismos ins–
titucionais necessários; fornecer as
bases jurídicas para orientar e imple–
mentar as políticas e qualquer regu–
lamentação ou medidas que devam
ser adotadas pelas autoridades com–
petentes; reforçar o papel a ser
desempenhado pelo poder judiciário
na aplicação do direito
à
alimentação;
capacitar os titulares do direito para exi–
gir que o governo cumpra as suas obri–
gações; fornecer as bases jurídicas para a
adoção de medidas com vista a corrigir as
desigualdades sociais existentes no acesso
à
ali–
mentação; criar os mecanismos financeiros para
a implementação da lei.
Desse modo, é fundamental que a adminis–
tração pública (governo), a partir de seus marcos
legais específicos, faça cumprir as obrigações
do Estado, construindo estratégias para assegurar
acesso
à
alimentação adequada, com base no
conhecimento prévio do universo cultural ali–
mentar dos grupos a quem se destinam e com
foco na produção local de alimentos.
1
RODRIGO CONSTANTINO,ECONOMISTA EJORNALISTA,
É
PRESIDENTE DO CONSELHO DO INSTITUTO LIBERAL.
Articulista
Os intelectuais fascistas de Mussolini
"
o que tenta responderJames Gregor em Mus-
E
solini 's Intellectuals, livro fundamental para
quem se interessa pelo assunto. Ele mergulha
nas ideias dos principais nomes por trás do fenô–
meno que Slll'giu na Itália naquele começo do século
20, para mostrar que havia uma coerência ideológica
por trás da coisa, que não se tratou apenas de bru–
tamontes distribuindo pauladas, mas de pensadores,
alguns renomados, construindo uma ideologia tota–
litária com resultados perversos.
A primeira coisa que chama a atenção é que
quase todos os lideres intelectuais do fascismo
foram marxistas. Houve uma conversão, em muitos
casos após a Primeira Guerra Mundial, quando esses
pensadores perceberam que o conceito universal
de classe não era suficiente para atrair o proletário
para a luta, uma vez que o apego
à
nação falava
mais alto. O fascismo trocaria classe por nação,
mas manteria inúmeras outras características do
marxismo, a começarpor seu coletivismo que ignora
o indivíduo, meio sacrificável para esse "bem geral".
Até mesmo Gramsci, um dos principais pensa–
dores comunistas italianos, reconheceu que inicial–
mente o fascismo fez oposição ao socialismo não
porque era antissocialista, mas porque o socialismo
oficial da época foi contra a entrada da Itália na
guerra. Para Mussolini, ele mesmo um jovem socia–
lista, essa oposição surgiu pelo sentimento antina–
cionalista equivocado dos socialistas. Mussolini,
como outros fascistas, achava que era perfeitamente
possível combinar ambos - socialismo e naciona–
lismo.
Uma confusão comum advém do fato de que os
fascistas não desejavam, como os socialistas, der–
rubar completamente o capitalismo. Para os mar–
xistas, que acreditavam no determinismo histórico,
qualquer um que tentasse reabilitar o capitalismo
de alguma forma só podia ser um reacionário, ainda
que os próprios marxistas reconhecessem a impor–
tância do capitalismo como etapa do progresso.
Colocar-se contra o "curso inevitável da história"
era coisa de gente irracional e contraditória, segundo
os marxistas.
Já os fascistas também desejavam fins
semelhantes, só que pretendiam usar o
capitalismo, ainda quesob o totalcontrole
estatal, como instrumento desse progres–
so coletivo. Pensadores como Giovanni
Gentile e Roberto Michels traçaram o
arcabouço fascista antes da chegada de
Mussolini ao poder, com a mistura de
um nacionalismo idealista e um sindi–
calismo revolucionário.
O uso da violência associada ao fas–
cismo não muda sua origem idealista, da
mesma forma que o "socialismo real" tam–
bém justificou a violência, mas não altera o
idealismo marxista original. Tanto o fascismo
como o marxismo não são somente violência pura:
ela jamais teria o verniz de aceitação que teve, como
um meio legítimo, sem os pilares ideológicos a sus–
tentando, sem a utopia final vendida aos iludidos.
Os fascistas eram marxistas heréticos, pois acha–
vam que o instrumental marxista não bastava para
levar um país pouco industrializado como a Itália
rumo ao progresso. Eles queriam "modernizar" a
indústria italiana para executar a "revolução pro–
letária" e um programa de distribuição de riquezas
mais "justo" e igualitário. O capitalismo industrial
de Estado era, portanto, apenas um meio para seu
fim coletivista e socialista.
O fascismo pegou um sentimento legítimo - o
patriotismo e a busca por pertencimento - e o trans–
formou em algo totalmente diferente: um naciona–
lismo coletivista que buscava o "renascimento" da
Itália de outrora, uma "Terceira Roma" que resga–
tasse a civilização decadente, a moralidade perdida
num mundo cada vez mais materialista e sem pro–
pósito. O individualismo era o alvo dos fascistas e
o ressentimento em relação a outras potências mais
avançadas era o combustível desse nacionalismo.
A democracia representativa corrupta e inefi–
ciente era um obstáculo a essa meta ambiciosa. Em
seu lugar, era preciso colocar os mais capazes, os
mais competentes. Os fascistas desprezavam os
mecanismos imperfeitos e entediantes do Parla-
''
O
fascismo
pegou
um
sentimento legítimo - o
patriotismo e
a
busca por
pertencimento - eo
transformou
em
algo
totalmente
diferente
''
menta, preferindo colocar em seu lugar uma
elite "esclarecida" que falasse diretamente
em nome do Povo. Nada muito diferente
do que pregavam os marxistas, com sua
"ditadura do proletário" como fase inter–
mediária até a "abolição do Estado".
A democracia representativa e aeco–
nomia liberal seriam alvos dos ataques
tanto dos sindicalistas revolucionários
como dos marxistas e fascistas, pois
impe–
diam "grandes feitos" e corrompiam a
consciência polítka das massas. A demo–
cracia se mostrou incapaz de entregar o
potencialda nação, descambando para o popu–
lismo, e somente uma liderança autoritária que
colocasse a nação como prioridade poderia destravar
todo esse potencial, para criar a "ItáUa proletária".
Na economia, a influência seria de gente como o
alemão Friedrich List,defensor de um nacional-desen–
volvimentismo que condenava o liberalismo e pregava
o protecionismo estatal como alavanca para o futuro
radiante. O governo era a grande locomotiva do pro–
gresso e, por isso, Mussolini resumiu sua ideologia
assim: "Tudo no Estado, nada contra o Estado e nada
fora do Estado".
Quando estudamos os intelectuais que criaram o
fascismo como ideologia, fica mais claro o absurdo
da acusação que a esquerda faz aos liberais e conser–
vadores. Que uma ala minoritária da dita "direita"
possa ter cores fascistas até é verdade, mas porque
os extremos se tocam. São muito mais parecidos com
seus "arqui-inimigos" marxistas e socialistas do que
esses gostariam.
"Para qualquer um que soubesse alguma coisa
sobre Mussolini, estava claro que havia muito pouco
que fosse conservador, liberal ou politicamente demo–
crático em suas convicções mais fundamentais", afir–
ma Gregor. Diante disso tudo, resta evidente que,
quando um socialista acusa um liberal de "fascista",
está seguindo a tática de Lenin de atacar os outros na
frente de um espelho.