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2

Opinião

1

jornal ,,

DIARI01~

COMPROMISSO COM ANOTÍCIA

e

DIÁRIO DO AMAPÁ

e

QUINTA-FEIRA 116 DE JANEIRO DE 2020

LUIZ MELO

ZIULANA MELO

Direror Superimendeme Dirernra de Jornalismo

ZIULANA MELO

Editora Chefe

MÁRLIOMELO

Direror Adminisrralivo

DIÁRIO DE COMUNICAÇÕES LTDA.

Circulação simultânea em Macapá, Belém, Brasília e em todos os municípios do Amapá. Os

conceitos emitidos em artigos e colunas são de responsabilidade dos seus autores e nem

sempre refletem a opinião deste Jornal. Suas publicações são com o propósito de estimular o

debate dos problemas amapaenses e do país. O

Diário do Amapá

busca levantar e fomentar

debates que visem a solução dos problemas amapaenses e brasileiros, e também refletir as

diversas tendências do pensamento das sociedades nacional e internacional.

C.N.P.J: 02.401.125/0001-59

Administração, Redação e Publicidade

Avenida Coriolano Jucá, 456 - Centro

CEP 68900-101 Macapá (AP)

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www.diariodoamapa.com.br

e

SILVANA MARIA DOS SANTOS

É

NUTRICIONISTA, ESPECIALISTA EM SAÚDE COLETIVA, MESTRE EM ANTROPOLOGIA SOCIAL

Articulista

Alimentação adequada e opapel do Estado

A

alimentação é considerada, no artigo 3°

da Lei Orgânica da Saúde (Lei 8080/90),

elemento determinante e condicionante

da saúde. Também é assumida como direito

humano fundamental e social previsto nos arti–

gos 6º e 227º da Constituição Federal, definido

pela Lei Orgânica de Segurança Alimentar e

Nutricional (Losan), bem como no artigo 11

do Pacto Internacional de Direitos Econômicos,

Sociais e Culturais e outros instrumentos jurí–

dicos internacionais. Decorre daí que o Estado

brasileiro assuma a concepção da alimentação

em termos de direito humano

à

alimentação

adequada (DHAA), que deve ser efetivado

levando em conta as noções de segurança e

soberania alimentar.

A segurança alimentar e nutricional consiste

na garantia de condições de acesso aos alimen–

tos seguros e de qualidade, em quantidade sufi–

ciente, de modo permanente e sem comprome–

ter o acesso a outras necessidades essenciais.

Tal compreensão deve ser considerada em arti–

culação com a noção de soberania alimentar,

o que implica dizer que cada país tem o direito

de definir suas próprias políticas e estratégias

sustentáveis de produção, distribuição e con-

sumo de alimentos que garantam o direi- ,

to

à

alimentação para toda população,

respeitando as múltiplas característi–

cas culturais dos povos.

Desses conceitos desdobra tam–

bém importante consideração acerca

da complexidade do que seja alimen–

tação adequada. A adequação não

deve ser tomada somente do ponto

de vista biológico/nutricional, dada a

complexidade que marca as escolhas e

as práticas alimentares. A atenção

à

ali–

mentação deve ser adequada também (e

sobretudo) do ponto de vista da possibilida–

de de manutenção da diversidade cultural ali–

mentar. Comida é também identidade e cultura,

de modo que a possibilidade de cultivar hábitos

e práticas alimentares culturalmente constituí–

das são qualidades do universo microssocial

que conformam dimensões macroeconômicas

e políticas, e vice-versa.

De acordo como o entendimento da Orga–

nização das Nações Unidas para a Alimentação

e a Agricultura (FAO), leis específicas podem:

determinar de forma clara o âmbito e o con-

Cada

país

tem

o

direito

de

detinír

suas

próprias políticas

e

estratégias sustentáveís

de

produção, distribuição.

''

teúdo do direito

à

alimentação; definir as

obrigações do Estado relativamente a

este direito; criar os mecanismos ins–

titucionais necessários; fornecer as

bases jurídicas para orientar e imple–

mentar as políticas e qualquer regu–

lamentação ou medidas que devam

ser adotadas pelas autoridades com–

petentes; reforçar o papel a ser

desempenhado pelo poder judiciário

na aplicação do direito

à

alimentação;

capacitar os titulares do direito para exi–

gir que o governo cumpra as suas obri–

gações; fornecer as bases jurídicas para a

adoção de medidas com vista a corrigir as

desigualdades sociais existentes no acesso

à

ali–

mentação; criar os mecanismos financeiros para

a implementação da lei.

Desse modo, é fundamental que a adminis–

tração pública (governo), a partir de seus marcos

legais específicos, faça cumprir as obrigações

do Estado, construindo estratégias para assegurar

acesso

à

alimentação adequada, com base no

conhecimento prévio do universo cultural ali–

mentar dos grupos a quem se destinam e com

foco na produção local de alimentos.

1

RODRIGO CONSTANTINO,ECONOMISTA EJORNALISTA,

É

PRESIDENTE DO CONSELHO DO INSTITUTO LIBERAL.

Articulista

Os intelectuais fascistas de Mussolini

"

o que tenta responderJames Gregor em Mus-

E

solini 's Intellectuals, livro fundamental para

quem se interessa pelo assunto. Ele mergulha

nas ideias dos principais nomes por trás do fenô–

meno que Slll'giu na Itália naquele começo do século

20, para mostrar que havia uma coerência ideológica

por trás da coisa, que não se tratou apenas de bru–

tamontes distribuindo pauladas, mas de pensadores,

alguns renomados, construindo uma ideologia tota–

litária com resultados perversos.

A primeira coisa que chama a atenção é que

quase todos os lideres intelectuais do fascismo

foram marxistas. Houve uma conversão, em muitos

casos após a Primeira Guerra Mundial, quando esses

pensadores perceberam que o conceito universal

de classe não era suficiente para atrair o proletário

para a luta, uma vez que o apego

à

nação falava

mais alto. O fascismo trocaria classe por nação,

mas manteria inúmeras outras características do

marxismo, a começarpor seu coletivismo que ignora

o indivíduo, meio sacrificável para esse "bem geral".

Até mesmo Gramsci, um dos principais pensa–

dores comunistas italianos, reconheceu que inicial–

mente o fascismo fez oposição ao socialismo não

porque era antissocialista, mas porque o socialismo

oficial da época foi contra a entrada da Itália na

guerra. Para Mussolini, ele mesmo um jovem socia–

lista, essa oposição surgiu pelo sentimento antina–

cionalista equivocado dos socialistas. Mussolini,

como outros fascistas, achava que era perfeitamente

possível combinar ambos - socialismo e naciona–

lismo.

Uma confusão comum advém do fato de que os

fascistas não desejavam, como os socialistas, der–

rubar completamente o capitalismo. Para os mar–

xistas, que acreditavam no determinismo histórico,

qualquer um que tentasse reabilitar o capitalismo

de alguma forma só podia ser um reacionário, ainda

que os próprios marxistas reconhecessem a impor–

tância do capitalismo como etapa do progresso.

Colocar-se contra o "curso inevitável da história"

era coisa de gente irracional e contraditória, segundo

os marxistas.

Já os fascistas também desejavam fins

semelhantes, só que pretendiam usar o

capitalismo, ainda quesob o totalcontrole

estatal, como instrumento desse progres–

so coletivo. Pensadores como Giovanni

Gentile e Roberto Michels traçaram o

arcabouço fascista antes da chegada de

Mussolini ao poder, com a mistura de

um nacionalismo idealista e um sindi–

calismo revolucionário.

O uso da violência associada ao fas–

cismo não muda sua origem idealista, da

mesma forma que o "socialismo real" tam–

bém justificou a violência, mas não altera o

idealismo marxista original. Tanto o fascismo

como o marxismo não são somente violência pura:

ela jamais teria o verniz de aceitação que teve, como

um meio legítimo, sem os pilares ideológicos a sus–

tentando, sem a utopia final vendida aos iludidos.

Os fascistas eram marxistas heréticos, pois acha–

vam que o instrumental marxista não bastava para

levar um país pouco industrializado como a Itália

rumo ao progresso. Eles queriam "modernizar" a

indústria italiana para executar a "revolução pro–

letária" e um programa de distribuição de riquezas

mais "justo" e igualitário. O capitalismo industrial

de Estado era, portanto, apenas um meio para seu

fim coletivista e socialista.

O fascismo pegou um sentimento legítimo - o

patriotismo e a busca por pertencimento - e o trans–

formou em algo totalmente diferente: um naciona–

lismo coletivista que buscava o "renascimento" da

Itália de outrora, uma "Terceira Roma" que resga–

tasse a civilização decadente, a moralidade perdida

num mundo cada vez mais materialista e sem pro–

pósito. O individualismo era o alvo dos fascistas e

o ressentimento em relação a outras potências mais

avançadas era o combustível desse nacionalismo.

A democracia representativa corrupta e inefi–

ciente era um obstáculo a essa meta ambiciosa. Em

seu lugar, era preciso colocar os mais capazes, os

mais competentes. Os fascistas desprezavam os

mecanismos imperfeitos e entediantes do Parla-

''

O

fascismo

pegou

um

sentimento legítimo - o

patriotismo e

a

busca por

pertencimento - eo

transformou

em

algo

totalmente

diferente

''

menta, preferindo colocar em seu lugar uma

elite "esclarecida" que falasse diretamente

em nome do Povo. Nada muito diferente

do que pregavam os marxistas, com sua

"ditadura do proletário" como fase inter–

mediária até a "abolição do Estado".

A democracia representativa e aeco–

nomia liberal seriam alvos dos ataques

tanto dos sindicalistas revolucionários

como dos marxistas e fascistas, pois

impe–

diam "grandes feitos" e corrompiam a

consciência polítka das massas. A demo–

cracia se mostrou incapaz de entregar o

potencialda nação, descambando para o popu–

lismo, e somente uma liderança autoritária que

colocasse a nação como prioridade poderia destravar

todo esse potencial, para criar a "ItáUa proletária".

Na economia, a influência seria de gente como o

alemão Friedrich List,defensor de um nacional-desen–

volvimentismo que condenava o liberalismo e pregava

o protecionismo estatal como alavanca para o futuro

radiante. O governo era a grande locomotiva do pro–

gresso e, por isso, Mussolini resumiu sua ideologia

assim: "Tudo no Estado, nada contra o Estado e nada

fora do Estado".

Quando estudamos os intelectuais que criaram o

fascismo como ideologia, fica mais claro o absurdo

da acusação que a esquerda faz aos liberais e conser–

vadores. Que uma ala minoritária da dita "direita"

possa ter cores fascistas até é verdade, mas porque

os extremos se tocam. São muito mais parecidos com

seus "arqui-inimigos" marxistas e socialistas do que

esses gostariam.

"Para qualquer um que soubesse alguma coisa

sobre Mussolini, estava claro que havia muito pouco

que fosse conservador, liberal ou politicamente demo–

crático em suas convicções mais fundamentais", afir–

ma Gregor. Diante disso tudo, resta evidente que,

quando um socialista acusa um liberal de "fascista",

está seguindo a tática de Lenin de atacar os outros na

frente de um espelho.