4
DIÁRIO DO AMAPÁ
e
DOMINGO E SEGUNDA-FEIRA 1
19
E 20 DE OUTUBRO DE 2020
Entrevista
e
JOSÉ ALBERTO TOSTES
Pesquisador da Universidade Federal
do
Amapá
"Pior do que os maus políticos
é
a
sociedade que deixa de fazer sua parte"
Um dos maÍs respdrados pesquÍsadores da UnÍ–
versÍdade Federal do Amapá (UnÍÍàp), o professo1
AlberlO Tostes faz um aferra a respeÍlO da necessÍ–
dade do eldwramapaense estararenlO não apenas
às promessas, mas aos projews exequÍveÍs que os
candÍdaws apresentam durante o pedodo das cam–
panhas eldlOraÍs. Ele aponta dÍversosgargalospro–
vocadospela falta deplanejamenlO e de umagesrão
efidenre, o que está fàzendo com que as admÍnÍslía–
çõespercam a capaddade de darrespostas às deman–
das dos ddadãos. Essas e oulías valÍosas dÍCas com
base dend/Jca, mas também com o olhar e o senso crÍ–
lÍco de um ddadão, foram apresentados em enlíe–
vÍsla que Tostes concedeu ao programa Conexão Bra–
sÍIÍa, da RádÍo Ddâo FM Acompanhe a segukospân–
dpaÍs líechos da conversa.
POR CLEBER BARBOSA
DA REDAÇÃO
Diário do Amapá - O senhor além de arqui–
teto e urbanista fez pós-doutorado em Estudos
Urbanos, tendo prestado um trabalho relevante
para alguns municípios aprovarem seus planos
diretores então pode dizer o porquê de tantos pro–
blemas nas adminsitrações de prefeituras e o fato
de prefeitos deixarem a gestão com tantos pro–
blemas com os organismos de controle e a justi–
ça?
Alberto Tostes - Para se ter uma ideia, na últi–
ma década, chegando a quase quinze anos, quando
você vai levantar os recursos que são aplicados pelas
prefeituras, além de serem aplicados mal, são mal
gastos e os municípios acabam perdendo com esse
propósito. Essa investigação aponta para uma perda
volumosa de recursos, seja por licitações mal feitas,
fiscalizações de obras feitas de forma inadequada,
quebra de encargos em relação a esses materiais,
enfim, diversas situações que comprometem a boa
qualidade da aplicação dos recursos.
Diário - Dê um exemplo concreto professor?
Alberto - Um município como Amapá, por
exemplo, ficou até dez anos sem receber recursos
federais, o que mostra a gravidade de todo esse pro–
cesso. Um município como Oiapoque, na fronteira,
aonde você tem uma gama de recursos em várias
fontes para ser destinados através de projetos, tem
grande dificuldade de materialização de todo esse
processo. Minha pesquisa apresentada em nosso está–
gio de pós-doutorado foi publicada e está disponível
também na internet e mostra um pouco desse uni–
verso dessa dificuldade institucional.
Diário - Bem apropriado se discutir essas solu–
ções da administração púbica, exatamente agora
que vivemos em um ano de eleições municipais,
não é mesmo professor?
Alberto - Sim, é preciso estar atento para essa
preocupação com o planejamento e a gestão para
que não comprometa o município em relação a obter
financiamentos em relação às diversas instâncias.
Nosso maior problema hoje está relacionado às ques–
tões estruturais das administrações municipais. A
sociedade civil organizada e todos os seus setores
devem observar tudo isso para que o recurso públi–
co, por ele ser mal gasto, desviado, acaba implican–
do na crise que o Brasil atravessa hoje em dia.
Diário - Nesse levantamento que o senhor fez
foi possível apontar o total de recursos federais
que o Amapá perdeu através dessas administra–
ções de prefeituras?
Alberto - Se nós ampliarmos isso para um uni–
verso de quinze anos, a perspectiva de R$ 900
milhões até R$ 1 bilhão de reais. Ora, se você con–
siderar que nós estamos num estado pobre, que
depende exclusivamente de transferência de recur–
sos federais, seja do Fundo de Participação dos Esta–
dos, dos Municípios e de verbas extra orçamentá–
rias, isso é muito grave e mostra que o problema da
falta de planejamento e gestão não é de agora, já
atravessa mais de uma década. E o pior disso tudo é
nós não termos a clareza de que isso deva ser aj us-
Cenários..
• Penlas. Para se ter urna ideia, um município
como Amapá, ficou até dez anos sem receber
recursos federais, o que mostra a gravidade de tocb
esse processo. Um município corno Oiapoque, na
fronteira, que tem urna gama de recursos em várias
fontes para ser destinados através de projetos, tem
grande dificuldade de materialização do processo.
Alberto Tostes. O
pesquisador da Unifap dá dicas valiosas sobre
os
problemas dos municípios eprefeituras.
tado e corrigido para o futuro.
Diário - Nas campanhas os candidatos e suas
equipes se debruçam nos problemas urbanos, nas
melhores soluções, mas depois as administrações
acabam se afastando do planejamento macro e
se perdem em demandas pontuais. Onde estaria
o maior gargalo professor?
Alberto- Uma das grandes dificuldades que nós
já mapeamos cientificamente é o fato de que as polí–
ticas são voltadas de forma fragmentada. A política
habitacional, por exemplo, dissociada da questão
ambiental, de mobilidade, de acessibilidade, da pró–
pria essência daqueles municípios que têm plano
diretor, dos seus projetos setoriais, enfim, quando
você vai olhar o conjunto das políticas públicas
observa que elas são desintegradoras.
Diário - Fala-se também das dificuldades
das prefeituras reunirem meios necessários
a garantir essas respostas, como um corpo
técnico. Isso é fato, não é?
Alberto - Sim, como também o pouco
investimento tecnológico, que as prefeitu–
ras também não dispõem e com isso se
repetem erros históricos em relação a uma
série de fatores. Nós temos dezesseis muni–
cípios e apenas três têm planos diretores e
desses três pouco dos planos são aplicados.
Os planos diretores vão resolver? Não, mas
eles são a base de um instrumento de política
pública integrado com as demais. Enquanto isso
não ocorrer vamos pagar o preço dessas fraturas.
Diário - Como assim professor?
Alberto - Em todo o Brasil tem ocorrido um
fator que o Ministério Público é quem vem assu–
mindo um protagonismo de ter que ficar à frente de
situações que é o poder público o responsável por
isso.
Diário -Com tantos problemas o que dizer ao
eleitor, ao cidadão que tem que resolver seus pro–
blemas pessoais e ainda assim é instado a ir às
Erros...
''
Asociedade civil
e
todos
os
setores
devem observar
tudo
isso
para
que
o
recurso público, por
ele ser mal gasto,
desvia!lo, acaba
implicando na crise
que
o
Brasil passa.
Resposta<;.
Para Alberto Tostes, urna das grandes
8
dificuldades que já rrnpeou cientific'""'nte éo
fato de
que
as políticas públicas são voltadas de forrrn
fragmentada. Apolíticahabitacional, por exemplo,
dissociada da questão ambiental, de roobilidade, de
acessibilidade, da propria essência daqueles
municípios que têmplaoo diretor.
urnas escolher seus representantes e os gestores
públicos. O que dizer a ele professor?
Alberto-Olha, o Brasil tem passado nesses últi–
mos tempos por um processo de revitalização das
questões de natureza ética e moral, no sentido de fazer
valer que a sociedade também tem que ser cumpridora
da sua responsabilidades. E uma das questões impor–
tantes para isso é o empoderamento social. Hoje você
faz uma opção por um candidato, vota nele, mais ao
longo de um período de mandato não procura saber
que projetos essa pessoa elaborou, se contribuiu, se
participou, então você não se apropria do trajeto da
construção daquele candidato em prol do desenvol–
vimento da sociedade. Hoje é preciso ver quem é o
candidato, onde ele está agregado, qual é a história
dele, o que ele produziu, quais são os efeitos que isso
resultou para a sociedade, nós precisamos acabar com
essa coisa do é dando que se recebe. Dessa coisa dos
grupos que colocam os níveis de favorecimento.
Diário - Isso é um problema...
Alberto- Veja só, quem vai te dar alguma coisa
vai te cobrar depois. E vai te cobrar da pior forma
possível e isso tem preço para a sociedade. E o pre–
ço é exatamente mandatos esdrúxulos, mandatos sem
planejamento, sem gestão, sem o comprometimento.
Mas pior do que os representantes políticos, é a socie–
dade que deixa de fazer a sua parte, através das asso–
ciações, das organizações e isso contribui para todos
os outros fatores adversos dos problemas que nós
vivenciamos. Ao eleitor, a mensagem de que ele tam–
bém precisa ser um cidadão responsável, uma pessoa
comprometida com o conjunto da sociedade. Nós
temos uma péssima mania de achar que são só os polí–
ticos os culpados, mas os políticos foram referenda–
dos pela sociedade, então se nós não exercermos essa
prerrogativa de estar à frente e assumir esse protago–
nismo evidentemente que os problemas só terão a
aumentar.
Diário - Para fechar professor, dê uma dica de
leitura para nossa comunidade.
Alberto - Eu posso indicar até aos nossos leito–
res um livro muito importante que até é bem apro–
priado para esse momento, já que nos próximos meses
teremos uma eleição, com a campanha, a fala dos can–
didatos, enfim, que é o livro de um autor espanhol
chamado Fernando Savater, cujo título é "A impor–
tância da escolha". Olha, nós todos temos o direito de
escolha e pagamos um preço se nós escolhermos erra–
do, então esse livro de alguma maneira te mostra os
caminhos pelos quais você é responsável pela sua
escolha.
Perfil...
e Entrevistado. Oprofessor José Alberto
Tostes possui graduação emArquitetura pela
Universidade Federal do Pará (1988), mestrado
emHistoria eTeoria daArquitetura pelo
Instituto Superior de Artes (2000) e doutorado
em Doutorado em Historia eTeoria
da
Arquiteturapelo Instituto Superior de Artes
(2003). Atualmente épesquisador do Instituto
Superior de Artes eprofessor Associado
li
da
Universidade Federal do Arrnpá. Teve olivro
com sua dissertação de pós-doutorado publicado
!pelaUniversidade de Coimbra (Protigal) com o
titulo 'Transformações Urbanas de pequenas
cidades na faixa de fronteira setentrional".
Também fez Estágio de Pós doutorado em
Arquiteturapela Universidade do Porto nos
anos de 2011 e 2012.