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O DIÁRIO DO AMAPÁ O DOMINGO E SEGUNDA-FEIRA 112 E 13 DE JANEIRO DE 2020

Opinião

1

jornal ,,

DIARIO AMAPA

LUIZ MELO

ZIULANA MELO

Direror Superimendeme Dirernra de Jornalismo

ZIULANA MELO

Editora Chefe

MÁRLIOMELO

DirNor Administrativo

COMPROMISSO COM ANOTICIA

DIÁRIO DE COMUNICAÇÕES LTDA.

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Administração, Redação e Publicidade

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CEP 68900-101 Macapá (AP)

Fone: 99165-4286

www

.diariodoamapa.com.br

Circulação simultânea em Macapá, Belém, Brasília e em todos os municípios do Amapá. Os

conceitos emitidos em artigos e colunas são de responsabilidade dos seus autores e nem

sempre refletem a opinião deste Jornal. Suas publicaçCies são com o propósito de estimular o

debate dos problemas amapaenses e do país. O

Diário do Amapá

busca levantar e fomentar

debates que visem a solução dos problemas amapaenses e brasileiros, e também refletir as

diversas tendências do pensamento das sociedades nacional e internacional.

e

DOM PEDRO JOSÉ CONTI - BISPO DE MACAPÁ

Articulista

Este padre

é

louco

S

ão Filipe Neri era famoso pela sua

capacidade de brincar e fazer sorrir.

Todos o chamavam de "bom". Por

isso, como gesto de humilhação e para evitar

que o bajulassem ou honrassem pela sua"san–

tidade", resolveu que, por uma semana, ia

tirar a barba dele somente de um lado do

rosto. O resultado foi óbvio. Todos aqueles

que o encontravam riam de bom gosto e

diziam: "Este padre é doido varrido! Devia

ser internado".Mas o alegre Filipe Neri, den–

tro de si, ficava feliz pelas gargalhadas dos

outros.

Com o domingo do Batismo de Jesus con–

cluímos o tempo litúrgico do Natal. Jesus,

num gesto de extrema humildade e solida–

riedade, entra na fila dos pecadores e recebe

o batismo de penitência oferecido por João

Batista.A pomba que pousa sobre ele indica

a presença do Espírito Santo e a voz do Pai

confirma que aquele homem éo "Filho ama–

do".Todos os evangelistas são unânimes em

nos dizer que, após este momento, inicia a

vida pública de Jesus. O Pai o enviou e o

Espírito Santo vai guiá-lo,nas palavras e nas

ações, até asua paixão,morte e ressurreição,

em Jerusalém. O batismo no Jordão marca

wna mudança decisiva na vida dele.

De

agora

em diante, será um "mestre" itinerante cha–

mando discípulos a segui-lo. Para alguns,

será wn profeta compalavras nunca ouvidas,

palavras de "vida eterna". Para outros, será

julgado wn falso profeta por virda periferia,

de Nazaré. Enfim, será considerado blasfemo,

mas útil para dar uma lição exemplar

aos facínoras, aos rebeldes, aos fora

da Lei. Alguns o chamaramde louco

eendemoninhado. Ao vê-lo morrer

na cruz, o centurião romano dirá:

"Verdadeiramente, este era Filho

de Deus" (Mt 27,54). As mesmas

palavras do Pai, no dia do batismo.

A cruz de Jesus permanecerá para

sempre "loucura" para os pagãos,

"escândalo" para os judeus, mas

sabedoria e poderde Deus para os que

acreditam (1Cor1, 23-25).

Neste domingo, a Igreja nos convida

alembrar o nosso batismo,não mais de peni–

tência, mas de vida nova na Trindade Santa.

Fomos batizados "emnome do Pai,edo Filho

e do Espírito Santo". Após aquele dia, tam–

bém nós deveríamos ter iniciado uma vida

diferente, como cristãos,conscientes do dom

recebido e da missão que nos foi entregue:

continuar a anunciar a alegria do Evangelho

e testemunhar, com a nossa vida, a presença

do Reino de Deus. Vale a pena parar para

lembrar e refletir. O nosso batismo, a nossa

consciência de sermos cristãos, mudou e

muda algo da nossa maneira de pensar, dos

valores que norteiam a nossa vida, dos com–

promissos que asswnimos em família e na

sociedade? Tem alguma vezque somos cha–

mados de loucos - se não na nossa frente, ao

menos por trás - por causa da nossa fé? Estou

falando sério. Não está em jogo o sermos

exteriormente diferentes,ou não,dos outros,

''

A

segunda

questão, talvez,

seja aquela

do

orgulho

que

temos com asnossas

ideias,

a

nossa

inte!J11efação

da

vida,

da

sociedade eaté de

Deus.

''

e

CLAUDIO PIGHIN - SACERDOTE E DOUTOR EM TEOLOGIA

Articulista

A

memória não

é

mais nossa

1

niciando o novo ano 2020, muitas con–

~iderações

passam pela minha mente.

E licito se perguntar, por exemplo, até

que ponto nos lembraremos das coisas pas–

sadas? Até que ponto as novas gerações

têm conhecimento bem objetivo daquilo

que se passou? Até onde chega a nossa

memória? Parece-me que a cultura analó–

gica, do passado, tinha mais uma pressão

sobre a memória e, no entanto, a cultura

digital se reforça mais na ação da tecnolo–

gia. As pessoas de mais de idade, de cabelos

brancos, se recordam, por exemplo, que

para aprender a fazer as primeiras contas

usavam expedientes bem manuais. Isto se

acabou quando entraram no mercado as

calculadoras eletrônicas e depois as digitais.

Um procedimento simples, mas total–

mente diferente. Passou-se do esforço de

memória pessoal para o esforço de uso da

técnica. Enfraqueceu-se o uso da memória

e fortaleceu-se os auxílios da memória, for–

necidos pela tecnologia. Assim sendo,

daqui alguns anos somos capazes de esque–

cer datas importantíssimas que constituem

a nossa tradição para deixar espaço ao pre–

sente imediatista. Desse modo, acontece

com toda a linguagem simbólica que

vai perdendo a sua capacidade de

transmitir os múltiplos sentidos da

mesma. Esvaziando a linguagem

simbólica se esgotam as mensa–

gens. Agindo desse jeito, aos

poucos, vamos perder também o

verdadeiro sentido espiritual do

Natal e das festas natalinas, con–

centrando-nos na questão material

das mesmas.

Assim é bem fácil se reduzir a

fazer uma experiência de um Jesus

meramente humano, com todas as suas

consequências que comportam, deixando

de lado que é também verdadeiro Deus.

Sendo também enfraquecida a memória,

não se consegue resgatar o passado que nos

ajuda a contemplar a verdade. Neste caso,

fazemos uma experiência de um Jesus

somente histórico e pertinente aos próprios

desejos. Desse jeito, fazemos da nossa vida

uma realidade bem limitada. E creio que

esse momento histórico que estamos

enfrentando, em que desapareceram todos

os pontos de referências politicas, ideoló–

gicas, éticas e jurídicas, a Palavra de Deus

''

A

religiosidade

criltã

se

romou ama

questão

periférica.

Ás vezes

me

peJVWJto:

até

que

pontoos

JJOSSOS

fiéis,

por

exemplo,

que

vão

a

Missa

se

deixam

envolver

pela

Jlldicalidade

do

evento

cristão

ou se

radicalizam

exclusivamente sobre

os

aspectas

puramenterituaU

etonmís?

mas a diversidade radical com tudo

aquilo que podemos chamar de "mun–

do", no sentido evangélico da palavra

A primeira questão é, justamente, o

valor que damos aos bens materiais,

ao dinheiro e às demais posses.

Jesus disse para "buscar" primeiro

o Reino de Deus e a sua justiça, o

resto nos será dado por acréscimo,

como dom da sua bondade. Ao con–

trário, muitos hoje se acham os donos

de tudo, até do planeta que, porém, já

encontramos feito e não, com certeza,

para o nosso consumo exclusivo.

Asegunda questão, talvez,seja aquela do

orgulho que temos com as nossas ideias,a nos–

sa interpretação da vida, da sociedade e até de

Deus. Nos achamos tão importantes e sabidos

para julgar o que está ao nosso redor, os acon–

tecimentos e as pessoas. Um pouco mais de

humildade nos faria bem. Talvez só olhando

mais os pássaros do céu, os lírios dos cam–

pos...as maravilhas de Deus, enfim, mais do

que sempre as nossas obras. Por fim, quero

lembrar o tempo, como o administramos e o

gastamos. Parece que temos tempo para tudo,

mas bem pouco para agradecer a Deus, cele–

brar a nossa fé aos domingos, na comunidade,

entre irmãos e amigos. Nem vou falar dos

pobres. Falta um pouco mais de "loucura"

como fruto do nosso batismo tomado mais a

sério e menos como brincadeira, costume ou

tradição. Falta coragem, sobra medo de sermos

chamados "loucos" por causa de Cristo.

pode dar um verdadeiro sentido da

vida. Perdendo, num certo sentido

a memória, perdemos a capacidade

de fazer wna profunda profissão

de fé.

A religiosidade cristã se tor–

nou uma questão periférica. Ás

vezes me pergunto: até que ponto

os nossos fiéis, por exemplo, que

vão à Missa se deixam envolver

pela radicalidade do evento cristão

ou se radicalizam exclusivamente

sobre os aspectos puramente rituais e

formais? Agora, aumentando sempre mais

a cultura digital poderá diminuir sensivel–

mente a verdade sobre Jesus o Cristo? Uma

cultura desse tipo parece que relativize um

pouquinho tudo. Onde está a verdade? Pare–

ce que as pessoas perguntem hoje. Uma coi–

sa é certa: devemos buscar a verdade, mas

como fazemos se a nossa memória está, num

certo sentido, afetada? Então, como resgatar

uma memória prejudicada? O que fazer?

É

urgente se reapropriar de algo que é nosso

e não delegar exclusivamente para a técnica

aquilo que é nosso. A técnica é importante

para nos auxiliar e não para nos expropriar.