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O DIÁRIO DO AMAPÁ O DOMINGO E SEGUNDA-FEIRA 112 E 13 DE JANEIRO DE 2020
Opinião
1
jornal ,,
DIARIO AMAPA
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sempre refletem a opinião deste Jornal. Suas publicaçCies são com o propósito de estimular o
debate dos problemas amapaenses e do país. O
Diário do Amapá
busca levantar e fomentar
debates que visem a solução dos problemas amapaenses e brasileiros, e também refletir as
diversas tendências do pensamento das sociedades nacional e internacional.
e
DOM PEDRO JOSÉ CONTI - BISPO DE MACAPÁ
Articulista
Este padre
é
louco
S
ão Filipe Neri era famoso pela sua
capacidade de brincar e fazer sorrir.
Todos o chamavam de "bom". Por
isso, como gesto de humilhação e para evitar
que o bajulassem ou honrassem pela sua"san–
tidade", resolveu que, por uma semana, ia
tirar a barba dele somente de um lado do
rosto. O resultado foi óbvio. Todos aqueles
que o encontravam riam de bom gosto e
diziam: "Este padre é doido varrido! Devia
ser internado".Mas o alegre Filipe Neri, den–
tro de si, ficava feliz pelas gargalhadas dos
outros.
Com o domingo do Batismo de Jesus con–
cluímos o tempo litúrgico do Natal. Jesus,
num gesto de extrema humildade e solida–
riedade, entra na fila dos pecadores e recebe
o batismo de penitência oferecido por João
Batista.A pomba que pousa sobre ele indica
a presença do Espírito Santo e a voz do Pai
confirma que aquele homem éo "Filho ama–
do".Todos os evangelistas são unânimes em
nos dizer que, após este momento, inicia a
vida pública de Jesus. O Pai o enviou e o
Espírito Santo vai guiá-lo,nas palavras e nas
ações, até asua paixão,morte e ressurreição,
em Jerusalém. O batismo no Jordão marca
wna mudança decisiva na vida dele.
De
agora
em diante, será um "mestre" itinerante cha–
mando discípulos a segui-lo. Para alguns,
será wn profeta compalavras nunca ouvidas,
palavras de "vida eterna". Para outros, será
julgado wn falso profeta por virda periferia,
de Nazaré. Enfim, será considerado blasfemo,
mas útil para dar uma lição exemplar
aos facínoras, aos rebeldes, aos fora
da Lei. Alguns o chamaramde louco
eendemoninhado. Ao vê-lo morrer
na cruz, o centurião romano dirá:
"Verdadeiramente, este era Filho
de Deus" (Mt 27,54). As mesmas
palavras do Pai, no dia do batismo.
A cruz de Jesus permanecerá para
sempre "loucura" para os pagãos,
"escândalo" para os judeus, mas
sabedoria e poderde Deus para os que
acreditam (1Cor1, 23-25).
Neste domingo, a Igreja nos convida
alembrar o nosso batismo,não mais de peni–
tência, mas de vida nova na Trindade Santa.
Fomos batizados "emnome do Pai,edo Filho
e do Espírito Santo". Após aquele dia, tam–
bém nós deveríamos ter iniciado uma vida
diferente, como cristãos,conscientes do dom
recebido e da missão que nos foi entregue:
continuar a anunciar a alegria do Evangelho
e testemunhar, com a nossa vida, a presença
do Reino de Deus. Vale a pena parar para
lembrar e refletir. O nosso batismo, a nossa
consciência de sermos cristãos, mudou e
muda algo da nossa maneira de pensar, dos
valores que norteiam a nossa vida, dos com–
promissos que asswnimos em família e na
sociedade? Tem alguma vezque somos cha–
mados de loucos - se não na nossa frente, ao
menos por trás - por causa da nossa fé? Estou
falando sério. Não está em jogo o sermos
exteriormente diferentes,ou não,dos outros,
''
A
segunda
questão, talvez,
seja aquela
do
orgulho
que
temos com asnossas
ideias,
a
nossa
inte!J11efação
da
vida,
da
sociedade eaté de
Deus.
''
e
CLAUDIO PIGHIN - SACERDOTE E DOUTOR EM TEOLOGIA
Articulista
A
memória não
é
mais nossa
1
niciando o novo ano 2020, muitas con–
~iderações
passam pela minha mente.
E licito se perguntar, por exemplo, até
que ponto nos lembraremos das coisas pas–
sadas? Até que ponto as novas gerações
têm conhecimento bem objetivo daquilo
que se passou? Até onde chega a nossa
memória? Parece-me que a cultura analó–
gica, do passado, tinha mais uma pressão
sobre a memória e, no entanto, a cultura
digital se reforça mais na ação da tecnolo–
gia. As pessoas de mais de idade, de cabelos
brancos, se recordam, por exemplo, que
para aprender a fazer as primeiras contas
usavam expedientes bem manuais. Isto se
acabou quando entraram no mercado as
calculadoras eletrônicas e depois as digitais.
Um procedimento simples, mas total–
mente diferente. Passou-se do esforço de
memória pessoal para o esforço de uso da
técnica. Enfraqueceu-se o uso da memória
e fortaleceu-se os auxílios da memória, for–
necidos pela tecnologia. Assim sendo,
daqui alguns anos somos capazes de esque–
cer datas importantíssimas que constituem
a nossa tradição para deixar espaço ao pre–
sente imediatista. Desse modo, acontece
com toda a linguagem simbólica que
vai perdendo a sua capacidade de
transmitir os múltiplos sentidos da
mesma. Esvaziando a linguagem
simbólica se esgotam as mensa–
gens. Agindo desse jeito, aos
poucos, vamos perder também o
verdadeiro sentido espiritual do
Natal e das festas natalinas, con–
centrando-nos na questão material
das mesmas.
Assim é bem fácil se reduzir a
fazer uma experiência de um Jesus
meramente humano, com todas as suas
consequências que comportam, deixando
de lado que é também verdadeiro Deus.
Sendo também enfraquecida a memória,
não se consegue resgatar o passado que nos
ajuda a contemplar a verdade. Neste caso,
fazemos uma experiência de um Jesus
somente histórico e pertinente aos próprios
desejos. Desse jeito, fazemos da nossa vida
uma realidade bem limitada. E creio que
esse momento histórico que estamos
enfrentando, em que desapareceram todos
os pontos de referências politicas, ideoló–
gicas, éticas e jurídicas, a Palavra de Deus
''
A
religiosidade
criltã
se
romou ama
questão
periférica.
Ás vezes
me
peJVWJto:
até
que
pontoos
JJOSSOS
fiéis,
por
exemplo,
que
vão
a
Missa
se
deixam
envolver
pela
Jlldicalidade
do
evento
cristão
ou se
radicalizam
exclusivamente sobre
os
aspectas
puramenterituaU
etonmís?
mas a diversidade radical com tudo
aquilo que podemos chamar de "mun–
do", no sentido evangélico da palavra
A primeira questão é, justamente, o
valor que damos aos bens materiais,
ao dinheiro e às demais posses.
Jesus disse para "buscar" primeiro
o Reino de Deus e a sua justiça, o
resto nos será dado por acréscimo,
como dom da sua bondade. Ao con–
trário, muitos hoje se acham os donos
de tudo, até do planeta que, porém, já
encontramos feito e não, com certeza,
para o nosso consumo exclusivo.
Asegunda questão, talvez,seja aquela do
orgulho que temos com as nossas ideias,a nos–
sa interpretação da vida, da sociedade e até de
Deus. Nos achamos tão importantes e sabidos
para julgar o que está ao nosso redor, os acon–
tecimentos e as pessoas. Um pouco mais de
humildade nos faria bem. Talvez só olhando
mais os pássaros do céu, os lírios dos cam–
pos...as maravilhas de Deus, enfim, mais do
que sempre as nossas obras. Por fim, quero
lembrar o tempo, como o administramos e o
gastamos. Parece que temos tempo para tudo,
mas bem pouco para agradecer a Deus, cele–
brar a nossa fé aos domingos, na comunidade,
entre irmãos e amigos. Nem vou falar dos
pobres. Falta um pouco mais de "loucura"
como fruto do nosso batismo tomado mais a
sério e menos como brincadeira, costume ou
tradição. Falta coragem, sobra medo de sermos
chamados "loucos" por causa de Cristo.
pode dar um verdadeiro sentido da
vida. Perdendo, num certo sentido
a memória, perdemos a capacidade
de fazer wna profunda profissão
de fé.
A religiosidade cristã se tor–
nou uma questão periférica. Ás
vezes me pergunto: até que ponto
os nossos fiéis, por exemplo, que
vão à Missa se deixam envolver
pela radicalidade do evento cristão
ou se radicalizam exclusivamente
sobre os aspectos puramente rituais e
formais? Agora, aumentando sempre mais
a cultura digital poderá diminuir sensivel–
mente a verdade sobre Jesus o Cristo? Uma
cultura desse tipo parece que relativize um
pouquinho tudo. Onde está a verdade? Pare–
ce que as pessoas perguntem hoje. Uma coi–
sa é certa: devemos buscar a verdade, mas
como fazemos se a nossa memória está, num
certo sentido, afetada? Então, como resgatar
uma memória prejudicada? O que fazer?
É
urgente se reapropriar de algo que é nosso
e não delegar exclusivamente para a técnica
aquilo que é nosso. A técnica é importante
para nos auxiliar e não para nos expropriar.